Quem deve ser processado em Angola pela morte dos dois ativistas?
25 de novembro de 2013
O assassinato de Alves Kamulingue e Isaías Cassule continua a chocar Angola. Segundo a Human Rights Watch, os ativistas e ex-militares que estavam a organizar uma manifestação anti-governamental foram raptados em maio de 2012 pelos serviços secretos angolanos, torturados e assassinados. Os seus corpos foram depois destruídos.
A organização de defesa dos direitos humanos diz ter obtido “documentos autênticos” que implicam os responsáveis pelos assassinatos. As informações não foram desmentidas pelo Governo de Luanda.
Há quase duas semanas, a Procuradoria-Geral da República de Angola anunciou uma investigação e a detenção de quatro pessoas, alegadamente ligadas ao Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado, por suspeita de sequestro e possível assassinato de Cassule e Kamulingue.
Pouco depois, o Presidente José Eduardo dos Santos demitiu o chefe da Secreta, Sebastião José António Martins, que ocupava o cargo desde 12 de outubro. Depois destas notícias, a indignação saiu às ruas do país no sábado e foi reprimida com violência pela polícia.
Uma das perguntas que agora se faz é: Quem deveria ser processado nos tribunais de Angola pela morte dos ativistas?
A Human Rights Watch, pela voz do diretor da organização em França, Jean-Marie Fardeau, responde: “pensamos que as quatro pessoas que foram detidas até agora não são as únicas responsáveis por essas mortes. Então, pedimos à Procuradoria-Geral que continue a investigação para tentar identificar todas as pessoas (…). Qualquer que seja a sua responsabilidade, têm de ser investigadas e talvez julgadas”.
Ativista responsabiliza José Eduardo dos Santos
Para o ativista social Domingos da Cruz, não há dúvidas: no âmbito do direito interno, o Presidente da República de Angola é responsável pela gestão de todos os setores, incluindo o setor de Defesa e Segurança.
“A Constituição é bastante clara e afirma com lucidez necessária que ele [o Presidente da República] é o comandante-chefe”, sustenta o ativista que considera portanto o chefe de Estado como o “responsável moral” pelo sucedido pelo que, defende, deveria ser responsabilizado criminalmente.
Domingos da Cruz, que também é jornalista, diz que “a demissão do chefe de Secreta não passa de uma manobra protagonizada por José Eduardo dos Santos” e, a seu ver, Sebastião José António Martins “ao ser demitido, na verdade, tem plena consciência de que não é propriamente uma demissão”.
Na opinião do ativista angolano, “o procedimento que se deveria seguir do ponto de vista criminal seria, se as instituições judiciais fossem efetivamente independentes, abrir um processo contra o Presidente da República, uma vez que o resto age em função das orientações do Presidente.”
Ativistas duvidam da justiça angolana
O autor do livro "Liberdade de imprensa em Angola, obstáculos e desafios no processo de democratização" acredita que qualquer abertura de processo resultará em “absolutamente nada”.
Domingos da Cruz confessa não ter esperança de que haja condenações e caso isso aconteça poderá na prática não surtir qualquer efeito.
O jornalista cita a título de exemplo: “o antigo comandante-geral da Polícia foi condenado, mas sabemos que efetivamente está solto. Vai lá, passa duas horas na cadeia e depois volta para casa dele e faz das suas. O mesmo acontece com várias personalidades do regime angolano. Se isso acontecer, vai ser novamente uma manobra de diversão para recuperar a sua credibilidade diante do povo e uma tentativa de demonstração de ética política que efetivamente não existe”.
O diretor da Human Rights Watch em França, Jean-Marie Fardeau, também sublinha que “o Presidente e o Governo de Angola não têm que interferir no curso da justiça”, mas tem algumas dúvidas quanto ao desenrolar do caso nos tribunais.
“É difícil em Angola imaginar um processo transparente e justo. O sistema judiciário em Angola sofre de falta de independência, mas esperamos que, nestes dois casos, que criam muita indignação entre a população angolana, o poder político tenha a inteligência de deixar a justiça trabalhar de maneira independente e transparente”, conclui Jean-Marie Fardeau da Human Rights Watch.