Quénia prepara eleições com passado por resolver
20 de fevereiro de 2013Há cinco anos, os habitantes do Quénia viveram momentos particularmente dramáticos depois das últimas eleições. Bandos de arruaceiros percorreram as ruas da capital, Nairobi, e agrediram cidadãos indefesos, devido às alegadas irregularidades do escrutínio. Mais de 1100 pessoas morreram na altura.
O Quénia não julgou o caso. Mas, entretanto, o Tribunal Penal Internacional resolveu pegar no processo. A acusação alega que o ex-chefe da Função Pública, Francis Muthaura e um destacado político queniano, Uhuru Kenyatta, incitaram os ataques perpetrados por membros do povo dos kikuyus, a maior etnia do país, contra os adeptos dos partidos da oposição.
O político é filho do histórico fundador do Quénia independente, Jomo Kenyatta.
Entre os acusados estão também membros dessa mesma oposição, nomeadamente o antigo ministro da agricultura, William Ruto, bem como um locutor de rádio, Joshua Arap Sang, suspeitos de terem organizado ataques de membros do povo kalenjin contra os kikuyus.
"Culpado até provares que és rico"
Joseph Omondi trabalha numa organização da sociedade civil que luta por mais justiça no Quénia. Para o ativista, o Tribunal Penal Internacional é a instância certa para julgar casos que o próprio Quénia não quer ou não consegue julgar.
"Nós, na sociedade civil, agradecemos a Deus, a existência do Tribunal Penal Internacional de Haia", diz Omondi. "Aqui no Quénia não existe vontade política para julgar os criminosos. Desde as últimas eleições registámos mais de 5 mil casos de distúrbios violentos e nada foi feito contra os criminosos."
Os ativistas dos direitos humanos queixam-se que, no Quénia, a Justiça normalmente não funciona. E quando funciona, não se aplica aos mais influentes e abastados. Existe um ditado queniano que reza o seguinte, em inglês: "you are guilty until proven rich". Ou, em português, "és culpado até provares que és rico". Acredita-se que quem tem dinheiro, ou amigos influentes, pode comprar a Justiça. Os quenianos sabem que esse problema não existe apenas no Quénia, mas dizem que, no seu país, o problema é particularmente premente.
A maioria da população é, por isso, a favor do processo. Mas há também quem tema que o processo no Tribunal Penal Internacional possa também agravar e reacender os conflitos étnico-religiosos no país.
Solução difícil
O conflito está longe de estar erradicado. Os protagonistas das últimas eleições continuam a fazer parte da cena política no país. O primeiro-ministro, Raila Odinga, é tido como o candidato dos kalenjin, enquanto que Mwai Kibaki é o candidato dos kikuyus.
O conflito não é só político, mas também étnico e religioso. E não envolve apenas as etnias mais numerosas, mas também pequenos povos, como os luo.
Robert Opiyo viveu a violência pós-eleitoral contra o povo na pele. Opiyo estava a caminho do centro da cidade para comprar comida para os filhos. "De repente, fui perseguido por um grupo de jovens malfeitores. Tentei fugir, mas eles correram atrás de mim. Quando me agarraram, agrediram-me com muita violência e circuncisaram-me."
Os luo são um dos poucos povos, no Quénia, que não circuncisa os homens. "Não sei como consegui ir ter ao hospital. Foi horrível!", recorda.
Robert Opiyo continua a não se sentir seguro, cinco anos depois dos violentos ataques. O processo Tribunal Penal Internacional, em Haia, contra os organizadores dos distúrbios enchem o nigeriano de satisfação e esperança num futuro melhor.
Autora: Maja Braun / António Cascais
Edição: Guilherme Correia da Silva / Helena Ferro de Gouveia