Proposta de revisão da Constituição moçambicana sem novidades
20 de fevereiro de 2013Um projeto de revisão mínimo e sem grandes inovações é como várias vozes descreveram o presente Anteprojeto de Lei da Constituição, aguardado com muita expetativa, e que agora está em debate público até ao próximo mês de Maio.
O Presidente da Comissão Ad Hoc de revisão da Constituição revelou que a proposta centra-se em aspetos como o reforço da garantia de acesso dos cidadãos aos tribunais e a justiça, a cultura de trabalho e do empreendedorismo e a ampliação das atribuições do Conselho de Estado.
Prevê-se que a Lei mãe inclua também os vice-ministros na composição do Governo, a consagração dos governos locais na constituição e o reforço da intervenção do Provedor de Justiça, para além de fixar para meados de outubro o período da realização das eleições.
Descoberta de recursos incendeia o debate
Sobre o projeto de Constituição Yacub Sibindy, líder do Partido PIMO, Partido Independente de Moçambique, disse: "Não estou satisfeito com a natureza da revisão da Constituição, devia ser uma revisão de raiz, uma Constituição cuja agenda é virada para o desenvolvimento sustentável de Moçambique."
Sibindy considera ainda que uma das matérias omissas na revisão da Constituição é o acesso dos moçambicanos a riqueza: "É preciso partilhar as riquezas lá na base. Temos uma Constituição que não acomoda políticas públicas. Corremos o risco de que qualquer partido que suba ao poder faça o que quiser com os recursos nacionais."
Assuntos pertinentes excluidos
O Docente de Direito e constitucionalista, Gilles Sistac, afirma que muitos aspetos importantes não são tratados no Anteprojeto de Lei: "As grandes questões não são devidamente abordadas, a reflexão sobre o sistema do Governo, se continuamos a ter um sistema presidencialista ou não, mudanças para um sistema parlamentar não foram evocadas, nem as alteração dos poderes do Presidente da República, nem a reforma do sistema eleitoral."
E a lista de pontos exluidos de Sistac é longa, no que se refere a população das zonas rurais ou mais carenciadas diz: "Para mim é preciso refletir seriamente sobre a introdução de uma dose de sistema maioritário e maior responsabilidade dos deputados, do candidato a deputado a nível do distrito. Será que devemos continuar a ter uma justiça com custos? Porque não pensar numa justiça gratuíta neste país?"
A proposta prevê, entre outras matérias, a manutenção da terra como propriedade do Estado, um assunto que tem suscitado debates nos últimos tempos no país com opiniões divergentes.
É o fim das especulações?
Quando o Partido no poder, a FRELIMO, propôs a revisão da Constituição em 2010 surgiram desde então especulações indicando que as alterações teriam como objetivo garantir a manutenção do atual Presidente da República, Armando Guebuza, no cargo, por um terceiro mandato, ou a sua indicação como Primeiro Ministro, com funções de Chefe do Governo.
Estas alegações parecem estar fora de hipótese, uma vez que o projeto de revisão da Constituição não prevê alterações em relação ao mandato Presidencial e as atribuições do Chefe do Estado como Chefe do Governo.
Recorde-se que o Governo da FRELIMO, que tem a maioria no Parlamento, anunciou que queria rever a Lei mãe sem entrento anunciar os pontos que queria ver debatidos.
Isso levou a que algumas correntes no país especulassem sobre a pretensão da FRELIMO em aumentar o número de mandatos presidenciais, para dar assim mais uma chance ao atual Presidente de se manter no poder.
Recorde-se que a Constituição moçambicana só prevê dois mandatos, Armando Guebuza termina o segundo já em 2014, ano de eleições gerais.
As correntes de opinião aventaram ainda a hipótese da FRELIMO querer instituir um sistema de eleição presidencial por via indireta, a semelhança do que acontece na África do Sul, em que o Presidente é indicado pelo Parlamento.
Um debate inclusivo
A Comissão Ad Hoc de revisão da Constituição é constituída por dezassete membros), sendo dezasseis indicadas pelo Partido partido no poder, e apenas um pelo Movimento Democrático de Moçambique, MDM, a segunda maior força da oposição.
A RENAMO, a considerada maior força da oposição, boicotou desde o início os trabalhos da Comissão, alegando não haver, necessidade de rever a Constituição, neste momento.
Para garantir alguma legitimidade ao processo de revisão, a Comissão terá o desafio de envolver no máximo a sociedade civil no processo de debate público lançado esta quarta-feira (20.02.) -defendeu o docente de Direito Gilles Sistac.
Autor: Leonel Matias (Maputo)
Edição: Nádia Issufo / Helena Ferro de Gouveia