EDM recua e desiste de "vantagens" de taxa cambial própria
10 de maio de 2021A empresa pública Eletricidade de Moçambique (EDM) tencionava impor uma taxa muito acima da praticada na praça, no pagamento dos seus próprios salários, numa aparente intenção de obter vantagens. Além disso, o pagamento em divisas em empresas públicas não é recomendado.
As intenções despropositadas da empresa pública indignaram os cidadãos, que há poucos dias contestaram a aprovação de regalias e benefícios para o pessoal administrativo do Parlamento, também inusitados, quando o salário mínimo nacional não é atualizado há cerca de um ano por escassez de recursos.
Reunida esta segunda-feira (10.05), a Assembleia Geral Extraordinária da EDM acabou por recuar na decisão. Num comunicado hoje divulgado, a elétrica pública informa que determinou "o pagamento de todas as remunerações da empresa EDM em moeda nacional (metical)".
E também vai "converter a componente da remuneração em dólares norte-americanos para meticais, ao câmbio médio de referência no mercado em vigor na data desta deliberação". A EDM anunciou ainda que decidiu anular uma circular de 6 de maio, "sobre a fixação da taxa de câmbio a ser aplicada para a conversão das componentes em dólares das remunerações e pensões".
Em entrevista à DW África a propósito deste caso, o diretor da organização não-governamental Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, encoraja a sociedade civil "a seguir em frente com a pressão".
DW África: A empresa terá sido pressionada a recuar na sua intenção de obter vantagens dos cofres públicos?
Adriano Nuvunga (AN): Claramente. Nós como sociedade civil fizemos o nosso barulho público e penso que isso pode ter incomodado o nível superior, que provavelmente não quer despoletar mais casos e, por isso, mandou recuar.
DW África: Em Moçambique, o pagamento de salários em divisas não é algo aconselhado pelas autoridades ou não é uma prática instituída...
AN: É uma prática que é condenada pelo Banco de Moçambique, claramente. Não são possíveis as transações de pagamento salarial em operações normais devidamente autorizadas pelo Banco de Moçambique, não é possível.
DW África: Então, estamos a falar de uma empresa pública que viola os próprios regulamentos de uma instituição como o Banco Central...
AN: Claro. A EDM é conhecida recorrentemente por esse tipo de práticas ilegais.
DW África: A empresa Eletricidade de Moçambique também é vista por alguns setores como sendo um "saco azul" do Governo da FRELIMO, principalmente em épocas eleitorais. Perante este tipo de práticas duvidosas relacionadas nesta empresa, não seria o ideal uma investigação à sua atuação?
AN: Claramente, mas para isso acontecer, como sociedade civil temos de seguir em frente com a pressão, porque por parte do Estado não esperamos qualquer tipo de ação. Sabemos que outros setores do Estado e o Governo beneficiam de coisas que se passam na EDM. Por isso, não esperamos ver qualquer tipo de investigação séria.
DW África: Então, continuaremos a ter uma EDM com livre acesso a uma espécie de manjedoura?
AN: Sem dúvida. E todas as mudanças que sempre houve foram porque a sociedade civil pressão. Há um tempo atrás, a EDM era "saco azul" por via dos fornecimentos, muitos deles corruptos, muitos deles fantasmas. Só depois de denunciarmos isso é que houve algumas reformas – e algumas delas não passaram de pseudorreformas. Mas tudo isso porque houve uma pressão fora. Sem que isso aconteça, como foi nesse caso, não esperamos qualquer tipo de movimentação da Procuradoria-Geral da República, muito menos de uma ação movida pelo ministério da tutela que é o Ministério dos Recursos Minerais e Energia.
DW África: A Eletricidade de Moçambique também é uma das empresas que mais deve à Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB)…
AN: Claramente. É uma das empresas que deve e, por isso, não só há uma questão de infraestruturas que não permite que a energia da HCB venha para Maputo, mas também a questão das dívidas.