Presidenciais no Egito: Uma oportunidade de mudança?
10 de dezembro de 2023As eleições presidenciais no Egito, que arrancaram este domingo (10.12) e se prolongam até terça-feira, deverão permitir que o atual Presidente, Abdel Fattah el-Sissi, de 69 anos, vença um terceiro mandato - o que seria inédito no país de 113 milhões de habitantes.
Até 2019, a Constituição só permitia dois mandatos presidenciais e el-Sissi foi eleito sem oposição, com cerca de 97% dos votos, em 2014 e 2018. Em seguida, promoveu alterações constitucionais que permitem aos chefes de Estado egípcios a permanência no cargo por um terceiro mandato e alargou os mandatos de quatro para seis anos.
El-Sissi concorre com três outros candidatos: Farid Zahran, líder do Partido Social Democrata, na oposição; Abdel-Sanad Yamama, presidente do partido liberal Wafd; e Hazem Omar, líder do Partido Republicano do Povo. E a Autoridade Nacional de Eleições do Egito afirmou em comunicado que o processo eleitoral foi justo e equitativo.
No entanto, durante o período que antecedeu as eleições, os observadores e as organizações de defesa dos direitos humanos acusaram repetidamente el-Sissi de estar a reprimir candidatos promissores da oposição.
"Hisham Kassem está atualmente na prisão sob acusações políticas e Ahmed Altantawy enfrenta acusações, enquanto dezenas de membros da sua campanha estão detidos", diz à DW Timothy E. Kaldas, vice-diretor do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente, com sede em Washington.
A esperada reeleição ocorre numa altura em que é pouco provável que el-Sissi enfrente muitas críticas internacionais, tendo em conta o papel do país na atual guerra em Gaza.
O impacto da guerra Israel-Hamas
Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, classificado como grupo terrorista pelos EUA, a União Europeia, a Alemanha e outros, a atenção mundial deixou de se centrar no terrível historial do Egito em matéria de direitos humanos, na repressão da oposição política e na má situação económica, para se centrar no seu papel de parceiro político fiávelna região, de mediador e de ponto de acesso a bens humanitários para a população palestiniana.
Este facto não só reforçou a reputação internacional de El-Sissi antes das eleições, como também terá, muito provavelmente, um impacto positivo nas finanças do país.
"A Comissão Europeia anunciou até 9 mil milhões de euros em investimentos no Egito, enquanto outros relatórios indicam que o Fundo Monetário Internacional (FMI) está a considerar duplicar o valor do empréstimo ao Egito em resposta à situação", disse Kaldas, acrescentando que "isto acontece apesar do facto de o Egito não ter cumprido em grande parte os seus compromissos de reforma no ano passado, impedindo o FMI de concluir uma revisão e desembolsar parcelas do empréstimo".
Os investimentos e os empréstimos previstos são uma ajuda bem-vinda para um país que está a sofrer uma crise económica desde 2022.
De acordo com o Banco Central do Egito, a inflação foi de 38% em outubro, enquanto a libra egípcia perdeu metade do seu valor em relação ao dólar americano. As estimativas oficiais indicam que 30% da população vive na pobreza. As reservas de divisas, que são necessárias para pagar os empréstimos, estão quase esgotadas.
No entanto, nenhum dos especialistas com quem a DW falou espera uma grande reação internacional. "No passado, o Ocidente também não foi muito crítico em relação às eleições no Egito e el-Sissi e os militares têm sido vistos regularmente no Ocidente como os únicos atores que podem evitar o caos no país", explica à DW Christian Achrainer, investigador da Universidade de Roskilde, na Dinamarca, que tem várias publicações sobre o Egito.
A posição do Egipto numa região volátil
Além disso, não só Gaza, mas também os outros países vizinhos do Egito - Sudão, Líbia e Iémen - estão em guerra, e o Mar Vermelho está prestes a tornar-se um campo de batalha para as milícias do Irão contra Israel.
"Seria um cenário de terror para os decisores europeus se o Egito, o país mais populoso do Norte de África e dos países árabes, se tornasse também instável", acrescenta Achrainer.
Uma opinião partilhada por Gamal Abdel Gawad, professor de ciências políticas na Universidade Americana do Cairo e conselheiro do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos Al-Ahram, com sede no Cairo, cujas tendências políticas são consideradas em linha com o Governo.
"Nem a região nem o mundo estão preparados para lidar com uma situação turbulenta no Egito devido às consequências económicas", diz Gawad.
Na sua opinião, a guerra em Gaza e a ameaça de deslocar os palestinianos e trazer o conflito para o Egito, "é um risco para a segurança nacional egípcia que levou a um estado de unidade e a um maior apoio ao Presidente".
Para Timothy Kaldas, isto também significa que "o recente abrandamento da posição do Ocidente em relação às más práticas económicas e às violações de direitos de Sissi, no meio da guerra em Gaza, dá mais razões para duvidar que as reformas necessárias estejam no horizonte".
Eleições: Uma oportunidade?
Ahmed Mefreh, diretor executivo do Comité para a Justiça, organização de defesa dos direitos humanos sediada na Suíça, considera que um dos cenários da esperada reeleição de el-Sissi conduzirá, na melhor das hipóteses, "à continuação das atuais políticas cosméticas em matéria de direitos humanos".
Embora o regime tenha libertado entre 1.000 e 1.500 presos políticos este ano, no âmbito do Diálogo Nacional e da abertura política, os grupos de defesa dos direitos humanos egípcios afirmam que pelo menos três vezes mais presos políticos foram detidos no mesmo período. "Muitos dos quais continuam detidos sem julgamento ou sequer acusação", afirma Kaldas, do Instituto Tahrir. Além disso, o prisioneiro político mais proeminente do Egito, Alaa Abdel-Fattah, continua na prisão.
"O segundo cenário é o regresso à repressão direta, incluindo o ataque aos defensores dos direitos humanos e às organizações de direitos humanos no Egito e no exílio", considera Mefreh. "A principal diferença será o facto de o regime estar ou não sob pressão significativa para melhorar a situação dos direitos humanos durante a atual crise económica", explica, acrescentando que "o recente conflito entre Israel e Gaza mostrou que não há pressão suficientemente séria sobre o regime egípcio, o que torna o segundo cenário mais provável no próximo período".