Portugal prepara-se para mudar lei da nacionalidade
22 de dezembro de 2019Argentina Lopes é natural de São Tomé Príncipe e tem autorização de residência em Portugal, país que a acolheu há 10 anos. A sua filha de cinco anos nasceu em Portugal, mas não teve direito à nacionalidade portuguesa. O caso desta imigrante são-tomense, que recusou gravar o seu depoimento para a DW África, não é o único neste país da Europa ocidental, embora esses dados não estejam publica e formalmente contabilizados.
Íris Vieira também é natural de Cabo Verde, mas teve mais "sorte". O seu filho nascido em Portugal tem nacionalidade portuguesa, porque o progenitor é português. "Vim para estudar. Na altura eram os vistos, depois passámos a ter [autorização de] residência. Depois, estava no último ano da faculdade, casei-me com o pai dele e automaticamente também tive direito à nacionalidade. E ele, como o pai nasceu cá, automaticamente teve [nacionalidade portuguesa]", resume.
O que defendem as novas propostas de lei?
De acordo com as alterações propostas à Lei da Nacionalidade, discutidas e aprovadas na generalidade no dia 12 de dezembro, os filhos de imigrantes nascidos em solo português poderão ser portugueses.
Dos projetos de quatro partidos apresentados ao Parlamento em Lisboa, as alterações do Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) e do Partido Comunista Português (PCP), remetidas para debate na especialidade, são as mais consensuais. Essas alterações consideram que os filhos de imigrantes nascidos em Portugal poderão obter a nacionalidade desde que um dos progenitores seja residente no território português.
Para o advogado Adriano Malalane, a proposta do PCP é a mais equilibrada por incluir o fator tempo de permanência em Portugal. "É a proposta que estabelece um conjunto de requisitos necessários para que isso aconteça. Porque neste momento, de facto, há crianças estrangeiras que nascem em Portugal e ficam com nacionalidade portuguesa originária, quando um dos progenitores já resida em Portugal com autorização de residência há pelo menos dois anos", comenta.
O advogado luso-moçambicano é contra o excesso de facilitismo na concessão da nacionalidade, já que Portugal faz parte do Espaço Schengen. Adriano Malalane esclarece, por outro lado, que as novas alterações à lei vão abranger apenas aquelas crianças que nascerem depois da nova lei entrar em vigor. Ou seja, não beneficia os filhos de cidadãos estrangeiros nascidos antes disso.
"A lei, quando é aprovada, vigora para o futuro. Não costuma ter efeitos retroativos, a menos que o legislador entendesse dar essa benesse e conferir efeitos retroativos. Mas, normalmente não costuma ser assim", esclarece o jurista.
Um "passo significativo"
Esta revisão legislativa, nas palavras de Eurico Monteiro, embaixador de Cabo Verde em Portugal, é "um passo significativo" e "beneficia claramente a população imigrante".
"Neste sentido, salvaguarda um direito importante, que é o direito a ter nacionalidade e, portanto, a rejeição de uma forma global da condição de apátrida e a facilidade que hoje se dá para, de facto, se ter a nacionalidade", defende o diplomata.
"É evidente que toda esta reforma também vai no sentido da aproximação dos países que adotam o sistema chamado jus soli, ou seja, o lugar do nascimento é que deve determinar o lugar da nacionalidade e não propriamente o sangue", conclui.
De acordo com dados do Ministério da Justiça português, há pelo menos 170 mil pessoas à espera de nacionalidade portuguesa. Nos últimos dez meses, esse direito beneficiou 102 737 cidadãos estrangeiros.