Porque os exércitos africanos têm má reputação
20 de janeiro de 2022Um estudo do Instituto Internacional de Investigação para a Paz (SIPRI), com sede em Estocolmo, constatou que dos 49 Estados da África subsariana, pelo menos 20 estiveram envolvidos em conflitos armados em 2020. A proliferação de conflitos coloca os militares africanos sob maior escrutínio do que noutras partes do mundo.
Os exércitos do continente têm má reputação por várias razões, explica o especialista em assuntos bélicos Nan Tien do SIPRI. Muitos exércitos nacionais encarregados de combater insurgentes, como a Nigéria e Moçambique, carecem de financiamento e equipamento adequados.
Os numerosos golpes militares, como no Mali, na Guiné e no Sudão, para mencionar apenas casos recentes, contribuem para a má fama, tal como os casos de corrupção e má gestão. "Trata-se no entanto, de uma falsa representação.
Em geral, as forças armadas africanas não são assim", disse Tien à DW. O exército do Ruanda, por exemplo, é globalmente respeitados pela sua disciplina e eficácia, que recentemente voltou a demonstrar numa operação de apoio a Maputono conflito em Cabo Delgado.
Outra perceção errada é a de que os exércitos são têm dimensões exageradas. "Tanto o número de soldados em relação aos habitantes como a dimensão dos orçamentos militares são relativamente reduzidos em África de um modo geral", diz Matthias Basedau, diretor do Instituto GIGA para os Assuntos Africanos em Hamburgo.
Combate à corrupção
A Nigéria, por exemplo, tem o segundo maior exército subsariano a seguir da África do Sul. Mas, com mais de 150 milhões de habitantes, tem um número relativamente modesto de 200 000 efetivos. A Rússia, com 140 milhões de habitantes, tem mais de um milhão de soldados.
Os exércitos africanos estão também associados à falta de transparência e corrupção. "Este é sobretudo um problema estrutural. A falta de recursos financeiros no país significa que os militares e outros atores estatais competem todos por uma fatia muito pequena do bolo", disse Tian à DW.
Mas os investigadores concordam que os progressos feitos são importantes.
Em Angola, no ano passado, vários oficiais de alta patente foram detidos e processados por desvio de fundos, no âmbito do combate à corrupção orquestrado pelo Presidente João Lourenço. O chefe de Estado está a tentar desmantelar um sistema de patrocínio posto em prática pelo seu predecessor, José Eduardo dos Santos.
O exército como ator político
O passado colonial do continente condicionou os combatentes pela liberdade, a fundadores dos exércitos de hoje, a assumir, desde o início, um papel político, algo que os distingue dos exércitos ocidentais, tradicionalmente apolíticos.
Em Angola, após a luta pela independência e a longa guerra civil, os combatentes esperavam o reconhecimento dos seus sacrifícios através da partilha do poder e dos espólios. Embora a população do país viva na pobreza, Angola tem rica em petróleo e diamantes, o que possibilitou a quem estivesse bem colocado enriquecer rapidamente. Em 2014, a fortuna do general Manuel Hélder Vieira Dias Jr., conhecido por "Kopelipa", foi estimada em três milhares de milhões de dólares.
Tal como em Angola, os governos de muitos países africanos incluíram os militares "em práticas corruptas, a fim de os manter na linha", diz o investigador Basedau. Trata-se de uma tática comum para garantir o apoio dos militares.
Golpes militares voltam a crescer
Desde 1950, a África registou uma média de quatro golpes de Estado por ano. As tentativas fracassadas ou bem sucedidas diminuíram entre 2010 e 2019, segundo constatou um estudo recente com o título "Global instances of coups from 1950 to 2010". Mas, em 2021, o número de golpes cresceu subitamente para seis, uma tendência que preocupa muitos analistas.
Sobretudo na África Ocidental e Central, a ameaça de golpe militar está sempre presente. "Nos Estados com instituições políticas fracas e que não costumam ser responsabilizadas, é certo que os seus exércitos também não vão ser chamados a prestar contas", disse à DW Bejamin Petrini, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
O especialista acredita que a erosão das normas democráticas, também nos EUA e na União Europeia, contribui de forma importante "para a sensação de que um golpe militar não tem já as mesmas consequências que costumava ter".
A responsabilidade do Ocidente
Paralelamente aumentou o sentimento de impunidade de alguns exércitos notórios por cometerem crimes contra a humanidade. A violência sexual contra mulheres e raparigas e outras violações dos direitos humanos "não são apenas incidentes, mas são, na realidade, táticas de guerra", diz Petrini. Obviamente não se trata de problema especificamente africano. "O desrespeito dos direitos humanos na guerra é uma característica universal", sublinha o investigador Basedau.
A ameaça de golpes cresceu com pandemia da Covid-19, que pôs a nu muitos défices institucionais. "Em vários países os militares tiveram de assumir tarefas das instituições civis", alimentando a perceção de um fracasso do Estado democrático, diz Petrini. O investigador apela para um aumento da pressão sobre os líderes golpistas, e elogia a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) por ter, recentemente, aplicado sanções rigorosas à junta militar no Mali.
A intervenção do exterior pode ser uma espada de dois gumes. Há décadas que o Ocidente apoia forças armadas africanas numa tentativa de aumentar a segurança e estabilidade globais. Esse apoio cresceu nas últimas duas décadas quando aumentou a ameaça do terrorismo islamista.
A China e a Rússia, que têm uma relação cada vez mais tensa com o Ocidente, estão igualmente a assumir um papel importante nesta área. "Se tivermos em conta as rivalidades internacionais e elas interferirem em conflitos internos em países africanos, é claro que cresce o risco de que estes conflitos se tornem mais intensos e mais prolongados", adverte o investigador Basedau.