Pesticidas alemães perigosos para África
14 de maio de 2020Um estudo recente da fundação política Rosa Luxemburgo, conotada com a esquerda alemã, da instituição de caridade católica Misereor e da organização não governamental para o desenvolvimento, Rede Inkota, constata que a aplicação de pesticidas em várias explorações agrícolas em África causa grandes danos às pessoas e ao ambiente.
Segundo a publicação, há três anos um trabalhador agrícola no Zimbabué sofreu uma intoxicação pulmonar aguda e teve que ser internado várias semanas, quando uma rajada de vento soprou os pesticidas quando pulverizava uma plantação. O trabalhador tinha inalado o herbicida Treevix, cujo ingrediente ativo, saflufenacil, não está aprovado na União Europeia (UE). O fabricante do produto tóxico é o gigante químico alemão BASF.
Os autores do relatório questionaram os trabalhadores agrícolas de três plantações no Cabo Oriental sobre o uso de pesticidas. Na base dos resultados acusam agora as empresas químicas BASF e a alemã Bayer de vender pesticidas banidos na UE.
Vendas crescem rapidamente
"A Bayer e a BASF avançam sempre a suposta segurança dos seus produtos, mas isso é um mito", diz Jan Urhahn, perito agrícola da Fundação Rosa Luxemburgo e co-autor do estudo. "A realidade em África é a falta de proteção e esclarecimento. Estas empresas espezinham os direitos humanos todos os dias".
O comércio de pesticidas explodiu nos últimos anos, desde que os governos africanos começaram a tentar transformar a tradicional agricultura de pequena escala numa agricultura industrial.
O aumento da procura de pesticidas em África beneficia as empresas químicas alemãs. Segundo Urhahn, a Alemanha é o segundo maior exportador mundial de ingredientes ativos de pesticidas. A África do Sul reveste-se de especial importância para a Bayer e a BASF - não só enquanto mercado de vendas, mas também enquanto local de produção a partir do qual são fornecidos vários outros países.
Mas por que razão não é, pelo menos, restringida a exportação de ingredientes proibidos na UE? "O motivo é muito banal e prende-se com os lucros auferidos por duas das maiores empresas alemãs", diz.
Diversas práticas de aprovação
Segundo o estudo, as atividades comerciais da Bayer e BASF no hemisfério sul contribuem diretamente para o facto alarmante de 99% das mortes por envenenamento por pesticidas ocorrerem em África, na Ásia e na América Latina. As causas para a incidência particularmente elevada de envenenamento nestas partes do mundo devem-se a critérios insuficientes na aprovação dos produtos, a falta de informação sobre o grau de perigosidade das substâncias contidas nos pesticidas e, frequentemente, medidas inadequadas de segurança no trabalho.
Em entrevista com a DW, as duas empresas rejeitam todas as acusações. Dirk Hartmann, diretor do departamento fitossanitário da BASF para a África e o Médio Oriente, explica que os produtos de proteção de culturas são desenvolvidos para uma "situações e culturas" regionais específicas.
Por isso os processos de aprovação são divergentes. Além disso, todos os ingredientes ativos utilizados pela BASF nos seus produtos são aprovados em pelo menos um país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Holger Elfes, porta-voz do departamento de ciência das culturas da Bayer, também apontou as diversas necessidades em regiões diferentes do mundo. A praga da gafanhotos na África Oriental é um exemplo atual, explica. Estas diferenças são a razão pela qual a Bayer vende produtos fitossanitários em alguns países que não são aprovados noutros. Tal como a BASF, também a Bayer refere que o critério para a comercialização global de ingredientes ativos de pesticidas é a aprovação por um país da OCDE.
Biopesticidas como alternativa
Silke Bollmohr, diretora geral da empresa de consultoria ambiental Eco-Trac Consulting no Quénia, acusa a BASF e a Bayer de terem dois pesos e duas medidas, apesar de ser legal comercializar pesticidas não aprovados na UE em África.
Um estudo da Eco-Trac Consulting publicado há alguns anos já demonstrara que também no Quénia são usados os produtos em questão. O problema, segundo Bollmohr, é que em muitos países do hemisfério sul, o mercado dos pesticidas é completamente opaco. Não existe uma base de dados acessível ao público sobre os pesticidas utilizados e, em muitos locais, os critérios de aprovação não são suficientemente rigoros.
Bollmohr exige que o Governo alemão intervenha: "Nos termos da lei fitossanitária alemã, existe a possibilidade de proibir as exportações por decreto, se tal for necessário, para proteger os seres humanos, os animais e a natureza." A proibição já existe em França, onde a produção, armazenamento e comercialização de produtos pesticidas não aprovados na UE é crime desde 2018.
Bollmohr salientou também que devem ser consideradas alternativas locais. Muitos pequenos agricultores já estão a utilizar com sucesso substâncias naturais como a malagueta e o alho. Existem biopesticidas, mas são caros.
Jan Urhahn, da Fundação Rosa Luxemburgo, diz que os agricultores devem reduzir drasticamente a utilização de pesticidas, para que os fundamentos ecológicos possam ser preservados a longo prazo. Caso contrário, os agricultores arriscam tornarem-se dependentes das empresas, porque terão de aplicar cada vez mais fertilizantes, pesticidas e híbridos artificiais – acumulando dívidas que nunca mais conseguirão amortizar.