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Música

Paulo Flores: 30 anos de carreira em busca da justiça social

3 de julho de 2018

Em entrevista à DW África, no último dia do Rock in Rio Lisboa, o músico pede uma Angola mais justa e mais artistas com consciência social. Apelos reforçados pelo angolano Nástio Mosquito, que também atuou no festival.

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Concerto de Paulo Flores no Rock in Rio 2018Foto: DW/J. Carlos

Paulo Flores quer uma Angola socialmente mais justa, que crie condições para dar mais oportunidades aos jovens no acesso à educação. O músico angolano, que assinala 30 anos de carreira, afirma que Angola precisa de mais artistas com consciência social, que percebam que também fazem parte do movimento para mudar o mundo.

Em entrevista à DW África, no último dia do Rock in Rio Lisboa – que este ano dedicou um espaço exclusivo à África -, diz que, de alguma forma, a sua música tem contribuído para construir a identidade que Angola ainda não conquistou.

São 30 anos de carreira que têm como marca a intervenção social a favor dos mais desfavorecidos. Do seu vasto repertório, a canção "Makalakato" é a mais emblemática, pela posição que assumiu em defesa dos marginalizados pela sociedade angolana.

"Foi muito importante e, até hoje, sempre que eu a canto há uma reação incrível das pessoas. Talvez seja o tema mais marcante nessa responsabilidade social que a minha música transmite", diz o artista.

São também três décadas de percurso marcadas pelo amor e carinho que tem recebido do público, afirma Paulo Flores. Muitas vezes, acrescenta, são momentos de desabafo e intimidade, pela forma como a sua música influenciou a vida das pessoas: "A forma como as pessoas deixaram que eu falasse dos nossos problemas. Muitas vezes, quando tiramos uma foto da miséria, ela pode ser explorada de uma forma especulativa. A confiança que as pessoas depositam em mim para falar de nós é de facto um grande privilégio".

Portugal Lissabon - Rock in Rio: Paulo Flores
Paulo Flores em entrevista à DW África no Rock in Rio 2018Foto: DW/J. Carlos

Uma nova era em Angola

Hoje, afirma que Angola está a viver uma nova era com as mudanças que se estão a registar no país. Há mais espaço de liberdade, de opinião e de criação. "Com a mudança de Presidente, existe uma maior consciência da sociedade civil e parece-me que tudo que fizermos agora vai fazer a diferença", considera. Ressalva, no entanto, que  este "não é um caminho fácil".

"Este ano, vou fazer alguns shows nas periferias, nas comunidades em redor de Luanda, exatamente para ir de encontro aos jovens, para resgatar um pouco a memória do semba e dos seus criadores e tentar fazer essa ocupação dos tempos livres dos jovens e procurar que eles tenham mais orgulho na sua identidade e assim construirmos um futuro melhor. Portanto, acho que estamos todos esperançados em poder contribuir", sublinha.

Paulo Flores

O seu disco "Candongueiro Voador" usa uma linguagem muito próxima do sentimento dos jovens, que têm hoje outra visão e ansiedade. Para Paulo Flores, hoje "estão, de facto, a olhar em frente. Já não têm aqueles traumas da época colonial".

"O que nós queremos é um país com mais acesso à educação, a uma melhor formação enquanto seres humanos. E acho que nós, homens da cultura, temos também esse trabalho a fazer", afirma.

O músico tenta espalhar uma mensagem de amor, mas também de integração dos jovens. Para isso, alerta, o país precisa "de mais artistas com consciência, que percebam que também fazem parte da possibilidade de mudarmos o mundo". Porque, reforça, "a ideia é irmos juntos (…) com todos, sem apontar os dedos".

Portugal Paulo Flores
Paulo Flores no Festival Músicas do Mundo em Sines, em 2016Foto: FMM Sines 2016

Motivos para celebrar?

Nástio Mosquito foi outra voz angolana a marcar presença nesta edição do Rock in Rio Lisboa. Tal como Paulo Flores, fala numa lufada de ar fresco em Angola. Mas ainda é cedo para tirar conclusões sobre a atual Presidência, frisa.

Exorta a sociedade civil de Angola a participar mais na fiscalização da atividade governativa e pede um maior envolvimento dos angolanos nas mudanças em curso.

"Eu acho que o Presidente João Lourenço foi extremamente claro nas medidas que tomou, nos movimentos que fez. Agora, é preciso gerir não só as instituições mas também as pessoas", considera. E não fala apenas nas pessoas que trabalham nessas instituições: "Nós, contribuintes da sociedade angolana, temos que, também, começar a sentir essas mudanças. Precisamos não tanto de paciência mas se calhar de uma coisa que é difícil pedir às pessoas, depois de tanta humilhação e de tanto sofrimento – é difícil pedir para nos focarmos e nos envolvermos nessas mudanças. Mas é a única hipótese que temos".

Portugal Lissabon - Rock in Rio: Nástio Mosquito
Concerto de Nástio Mosquito no Rock in Rio 2018Foto: DW/J. Carlos

E em termos de liberdade de criação, liberdade de expressão e de manifestação? Será que, acabou a intimidação aos opositores ou ainda é cedo para fazer uma avaliação? "Os seus colegas jornalistas acho que devem estar a celebrar, porque muitos deles – não vou dizer todos, porque há muitos que sempre exerceram, sempre houve jornalismo em Angola – passe a expressão, é a primeira vez que de facto podem ser jornalistas. E acho que isso deve ser um motivo de celebração”, responde Nástio Mosquito.

O músico angolano diz à DW África que o seu percurso demonstra que nunca esteve muito preocupado com a questão da liberdade. Reconhece, no entanto, que essa pressão existiu no passado, existe no presente e existirá no futuro, uma vez que "as pessoas criativas têm sempre um desafio de estabelecer as suas narrativas".

"Acho que isso é natural. Para mim, é algo que me galvaniza, algo que me motiva, é algo que me faz focar, que revela a relevância de um determinado trabalho. Se essa pressão existe, é porque estamos a fazer alguma coisa certa", explica.

Faz aproximadamente dez anos que Nástio Mosquito tocou com os DZZZZ Band. O concerto no festival Rock in Rio, que fechou as portas este sábado, é para ele uma espécie de celebração.