Patrice Trovoada pede maioria absoluta para ser "reformista"
18 de abril de 2022Depois da sua reeleição no último congresso, Patrice Trovoada vai voltar a São Tomé e Príncipe para assumir a liderança da Ação Democrática Independente (ADI), principal força da oposição.
Em entrevista exclusiva à DW África, em Lisboa, afirma que quer ser um "primeiro-ministro reformista". O filho do ex-Presidente Miguel Trovoada critica a atual governação de Jorge Bom Jesus pela má gestão das finanças públicas, pelo índice elevado de corrupção e mau funcionamento da Justiça.
O antigo governante promete um programa de reformas para acabar com os "desmandos", mas antes disso pede uma maioria absoluta nas eleições legislativas de setembro deste ano.
DW África: Vários meses depois de ter sido forçado a deixar São Tomé e Príncipe e radicar-se de novo no estrangeiro, com que sentimento recebeu a notícia da sua reeleição para a liderança da ADI, arrecadando 99,6% dos votos?
Patrice Trovoada (PT): Acho que nos tempos de hoje, quando se tem um resultado desses, é[-se] muitas vezes suspeito para um observador externo. Mas eu tenho que dizer que foi uma votação por escrutínio secreto e, por conseguinte, é o que é. É um sinal de que de uma maneira quase unânime os delegados acharam que eu devia assumir [a liderança do partido].
DW África: Estava à espera desse resultado?
PT: Estava à espera de uma vitória não tão expressiva. Mas quaisquer que sejam as motivações dos delegados, uma coisa é certa: querem que eu chefie o partido. Não sei se votaram mais na pessoa ou no projeto, mas de qualquer maneiras é, para mim, uma responsabilidade acrescida.
DW África: Mas há uma franja significativa de militantes que não esteve presente neste congresso que o legitimou. Que leitura faz desse facto?
PT: Não. Este congresso durou nove horas. Aliás, conhecendo o contexto, eu tinha pedido para terem o cuidado de fazer uma transmissão em direto sem interrupção por uma questão de transparência e para que as pessoas que não estavam no congresso pudessem acompanhar tudo. Mas houve uma interrupção por razões meramente estéticas, porque quando começou o congresso houve uma desorganização e as pessoas não queriam que eu, de fora, visse essa desorganização. Intervi e pedi para repor o direto. As pessoas estavam cansadas e algumas ausentaram-se para ir almoçar, para irem refrescar-se. São detalhes. São 22% dos militantes. Não é leitura política, é só uma questão de organização.
DW África: A sua anterior governação foi interrompida com a vitória do MLSTP-PSD. Que avaliação faz do atual estado de evolução de São Tomé e Príncipe? O país está no rumo certo?
PT: Não. O MLSTP-PSD não ganhou. Nós ganhámos com uma maioria relativa. Houve depois uma coligação que tem estado a governar.
DW África: De toda a forma, a sua governação foi interrompida.
PT: Foi. É o próprio jogo da democracia. Houve um novo poder que se instalou. A verdade é que, infelizmente para nós todos, os resultados são/foram muito fracos. E o mais importante não são os resultados económicos que muitas vezes até podem depender de aspetos conjunturais, exógenos, etc.. Tivemos a Covid-19, se calhar a pandemia em alguns aspetos teve algumas consequências, nomeadamente a nível do turismo. Mas, por outro lado, a Covid-19 permitiu – devido à solidariedade internacional – a arrecadação de muito dinheiro em São Tomé. E estamos à espera para saber o que é que foi feito com esses fundos – várias dezenas de milhões de dólares que entraram em São Tomé e Príncipe.
Economicamente o desempenho foi fraco, mas sobretudo é [de assinalar] a deterioração de vários indicadores, seja a perceção da corrupção, seja a capacidade de execução orçamental; enfim, vários indicadores mostraram que, de facto, o país está pior do que aquilo que estava quando eu deixei.
DW África: Isto é sinal também de algum cansaço da atual governação?
PT: Não. Penso que a governação no poder, talvez pelo facto de ter sido uma coligação, não teve um norte. Costumava dizer que não é um Governo, são vários. São Governos de partidos, de representantes dos partidos no Governo. E também o facto de a corrupção se ter alastrado da maneira que alastrou é sinal que não havia como preocupação fundamental, nem gestão criteriosa das finanças públicas.
DW África: Também é crítico em relação àquilo que é a Justiça em São Tomé e Príncipe. Qual é a sua visão do que deve ser o funcionamento da Justiça?
PT: Acho que a crítica ao funcionamento da Justiça vem de há muitos anos. O problema fundamental não é só a constatação; é ter a vontade política de mudar as coisas. E eu creio que nós fomos aqueles que tivemos essa vontade política de mudar. E essa vontade política, no fundo, teve como pedra principal a questão da inspeção; e um segundo aspeto que foi a questão da gestão dos tribunais. Nós dissemos, nesse aspeto, que os magistrados, os juízes, devem dizer o Direito e a Justiça e não se devem preocupar com a gestão do dinheiro. E isso parece ter sido mal recebido. O facto de termos exigido uma inspeção feita por um colégio com a participação de inspetores estrangeiros foi muito mal recebido e foi aproveitado politicamente.
Houve uma opção política de reforma que não foi aceite. Provavelmente faz parte da censura que tivemos no momento das eleições, mas acredito que hoje toda a gente percebeu que nós tínhamos razão. Porque não houve correção, não houve melhoria, pelo contrário houve agravamento da situação a nível da Justiça. Não sou eu que o digo, são muitas vezes os relatórios internacionais. Por conseguinte, eu acredito que devemos ter a coragem política de voltarmos a rever a proposta da ADI, que terá de ser necessariamente melhorada, mas a inspeção é fundamental.
DW África: Está também a dizer, a propósito da corrupção, que o Tribunal de Contas tem que estar mais presente?
PT: Não só o Tribunal de Contas. Quem é hoje agente do sistema judicial em São Tomé e Príncipe tem que ser submetido também à inspeção. Isso é que nos pode garantir a qualidade e a competência de quem tem um papel fundamental na luta contra a corrupção e, no fundo, para a coesão social.
Dissemos muitas vezes que a condicionalidade da ajuda internacional tem de ser a democracia. É fundamental, quando temos países relativamente jovens, se não temos os quadros suficientes para a inspeção, que se aceite juntar os inspetores nacionais e estrangeiros e que as decisões têm que ser cumpridas.
DW África: E o bom funcionamento da Justiça também é fundamental para atrair o investimento estrangeiro, não é? Esta será uma das suas bandeiras?
PT: É fundamental para tudo, evidentemente para atrair investimento estrangeiro. E esse investimento estrangeiro é fundamental para que São Tomé e Príncipe possa criar mais postos de trabalho e que, de certa maneira através disso, possamos melhorar o nível de vida das populações. O desemprego é o que traz mais pobreza em São Tomé e Príncipe.
DW África: Disse que uma das condições para governar seria alcançar a maioria absoluta nas próximas eleições. Esta é uma condição sine qua non para voltar?
PT: Para Patrice Trovoada ser primeiro-ministro, em caso de vitória, tem de ser com maioria absoluta. Serei um primeiro-ministro reformista. E conhecendo o país, conhecendo a falta de coragem de alguns atores políticos, sei que só uma maioria absoluta me garante a implementação de um programa de reformas. Caso contrário, nunca teremos reformas. Tudo será negociatas políticas.
DW África: Tem certamente um plano estratégico em termos de desenvolvimento criterioso e sustentável de São Tomé e Príncipe. Que propostas pensa levar adiante se vencer as eleições legislativas?
PT: Primeiro, o país vai precisar de um programa de curto prazo de recuperação económica, porque estamos com muitas dificuldades. Temos hoje um problema grave a nível do poder de compra das populações. Nós temos uma dificuldade estrutural em pagar hoje os salários […]. Temos uma situação de escassez de divisas. Nós temos hoje a fatura da eletricidade que não consegue ser paga. A dívida está a aumentar cada dia mais para podermos fornecer eletricidade às populações.
DW África: Há, portanto, uma degradação do nível de vida dos são-tomenses?
PT: Há. E, por conseguinte, é preciso um programa especial de emergência para corrigir todos esses indicadores. Creio que é preciso primeiro atender aos problemas do dia a dia dos são-tomenses. O estado das estradas, saúde sem medicamentos nos hospitais, o poder de compra, a inflação; sobretudo os produtos alimentícios nacionais são às vezes mais caros que os produtos importados; temos a escassez de eletricidade, os cortes frequentes que não permitem qualquer indústria funcionar e às pessoas terem o mínimo [necessário].
Nós precisamos de assiduidade ao trabalho. As pessoas não aparecem no trabalho, temos a impunidade, temos a corrupção em todos os setores... Então, estas questões têm que ser atendidas prioritariamente. Depois nós sabemos qual é o caminho que o país deve seguir a médio e a longo prazos, que é aquilo que sempre dissemos: um posicionamento geoestratégico que lhe dê alguma atratividade em termos de prestação de serviços, de turismo regional e intercontinental. [Temos] um mar imenso que não é explorado em termos de política de pesca. Em 2015, quando apresentamos a Agenda de Transformação 2015-2030, isso tudo estava lá. E se esta agenda foi apresentada […], os [objetivos] fundamentais de médio e longo prazos estão aí. Agora, o que nós devemos fazer de momento são medidas de curto prazo, de estabilização ou de restauração de alguns indicadores em São Tomé e Príncipe.
DW África: Este plano que tem em mente será suportado pelo Orçamento do Estado ou pelos recursos provenientes da exploração petrolífera? Ou o país continuará a depender da ajuda externa?
PT: Penso que um plano de ação a curto prazo tem a ver, sobretudo, com medidas de contenção, de corte de algumas despesas improdutivas, medidas fiscais, enfim medidas em que estamos a trabalhar em função dos objetivos de curto prazo. [Será necessário] restabelecer uma maior confiança com os parceiros multilaterais. É preciso voltar a se ter a credibilidade junto dos parceiros multilaterais e alguns parceiros bilaterais para que a ajuda seja maior e mais dinâmica.
DW África: Mas para que o país não continue sistematicamente de mãos estendidas?
PT: O estender as mãos é real quando estamos nessa atitude em que não temos nada a dar em contrapartida. Ou que não temos resultados a apresentar. […] Nós temos que começar a dar resultados, sermos sérios, e mais sérios em relação à ajuda que recebemos dos nossos parceiros.
Temos que construir uma oferta que seja atrativa para o capital privado internacional. Isso quer dizer [que temos que ter] um sistema de Justiça credível que funciona, uma política fiscal que seja atrativa; mesmo que a política fiscal não seja tão atrativa, que tenhamos outros fatores de produção que sejam atrativos: disponibilidade de eletricidade, com a Internet em volume e em velocidade com outra qualidade, porque hoje não se vive sem estas infraestruturas.
A fraca poluição, a segurança nas ruas, a própria democracia [fazem parte] dos vários fatores que contribuem para a atratividade de um país para o capital estrangeiro. Temos que trabalhar nisso. Por isso, não acredito que devemos estar a planear o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe numa hipotética produção de petróleo. Não será por aí. Vamos àquilo que nós temos, que nós conhecemos, e depois se vier o petróleo será um bónus.
DW África: Se não vencer as próximas eleições legislativas com maioria absoluta, qual é o seu plano? Vai abandonar o "barco"?
PT: Se os são-tomenses não decidirem assim, encontraremos outros esquemas mas sem mim. Se estou a falar de maioria absoluta e vou às eleições e não tenho a maioria absoluta, eu acho que o mínimo em política é ser coerente e demitir-me. E, em segundo lugar, caberá à direção do partido ver o que fazer.
DW África: E, perante isso, para quando o seu regresso? Há alguma condicionante que determina esse regresso a São Tomé?
PT: É evidente que há várias condicionantes. Quando nós saímos do poder, tivemos todo um período de perseguição política que levou até à prisão espetacular no meio da rua, com aparato policial, do ex-ministro das Finanças, que na altura era assessor do senhor Presidente da República, sem mandato do Ministério Público. Ele ficou três meses na cadeia. Houve outras perseguições, outras situações... Houve um Governo que disse no Conselho de Ministros que retirava confiança política ao Ministério Público.
Um outro aspeto tem a ver com as [minhas] obrigações profissionais. Não posso de um momento para outro dizer que vou para São Tomé. Essas obrigações profissionais estão ligadas, muitas vezes, a um exercício um pouco moderado da atividade política que eu tenho que tomar em consideração. Desempenho funções em multinacionais que não apreciam que uma pessoa esteja muito ativa na política. No momento que eu decida regressar para estar na campanha eleitoral, tenho que desligar-me dessa atividade. Então, estou a ver qual é o melhor momento.