Paradise Papers: Paraísos fiscais entre a moral e a lei
7 de novembro de 2017As enormes revelações dos Paradise Papers detalham as maneiras pelas quais poderosos indivíduos e empresas contornam pagamentos de impostos. E também são um eco do caso Panama Papers, de abril de 2016.
De modo semelhante ao anterior, o caso Paradise Papers deverá ganhar significativo espaço nos média. Afinal, eles colocam os holofotes sob embaraçosos métodos com frequência utilizados por pessoas e empresas para esconder seus "desagradáveis segredos" sobre evasão de impostos.
As revelações são perturbadoras, claro. Mas quais desses criticados feitos são, de facto, ilegais? Será que tudo terá mais a ver com uma questão moral do que com a própria lei?
Leis funcionam?
A informações presentes nos documentos do Panama Papers jamais teriam sido reveladas a partir do ponto de vista daqueles sobre os quais revela-se algo. Mas, a verdade, é que a sua divulgação teve grande repercussão, e essa ainda está em curso.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por exemplo, já observou num tom amargo: "Não há dúvida de que a evasão fiscal global é um grande problema. Além disso, muitas das ações são legais - e não ilegais".
E aí reside a grande controvérsia, pois muito do que foi revelado e descoberto é, aos olhos de muitos, desagradável e repugnante, talvez até imoral e antiético. Entretanto, a maior parte dos casos não é ilegal.
É sabido, por exemplo, que cerca de 10 milhões de libras (cerca de 11,3 milhões de euros) dos ativos da Rainha Elizabeth II foram investidos em empresas das Ilhas Cayman e Bermudas. E, até agora, não há dúvidas sobre a legalidade.
De modo semelhante, também é uma questão de ética o caso de Stephen Bronfman, um conselheiro próximo do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que terá ajudado a enviar milhões de dólares para contas e fundos em contas no exterior.
Riqueza certa, por caminhos tortuosos
Alguém que estude economia aprende que a elisão fiscal, ou seja, a tentativa de pagar menos impostos, até pode ser legal. Ao passo que, ilegal, é a evasão fiscal – a tentativa de sonegar o pagamento dos impostos.
A linha tênue que marca essa diferença é bem conhecida por empresas como a Appleby e a Mossack Fonseca – essas são as principais nos casos Paradise e Panama Papers. Os Paradise Papers não apenas mostram quem evita pagar impostos, mas revelam os inúmeros e complexos caminhos usados pelos evasores de impostos para esconder suas riquezas em contas nos paraísos fiscais.
Os métodos de "investimento" para evitar o pagamento de impostos variam. Alguns "ajudam” indivíduos a evitar o pagamento de impostos de jatos ou iates privados. Noutros casos, dizem respeito à formação de estruturas corporativas para a colocação da quantia certa de dinheiro nos fundos e no tempo certo.
Ações eficazes
Por quanto isso poderá continuar de maneira legal? A tempestade que o vazamento dos Panama Papers desencadeou - e que inevitavelmente envolverá o caso Paradise – até serve para pressionar os políticos, com o objetivo de regulamentar uma área problemática. Mas ainda faltam ações eficazes.
Existem incontáveis questões legais e morais - além dos argumentos de ordem fiscal - que surgem das práticas questionáveis e nebulosas inerentes aos esquemas e estruturas criados para evitar o pagamento de impostos.
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) veiculou um artigo sobre o Paradise Papers. Segundo o mesmo, "enquanto ter um offshore [conta bancária num paraíso fiscal] até possa ser legal; o sigilo intrínseco a essas práticas atrai aqueles que praticam lavagem de dinheiro, traficantes de drogas, cleptocratas e outros, que normalmente operam às escondidas. As empresas de offshore, muitas vezes 'fachadas' sem empregados ou escritórios, são usadas em estruturas de evasão fiscal, a drenar milhares milhões de tesouros nacionais".
Ética e Moral
Além disso, existem as questões éticas e morais que surgem quando figuras poderosas – políticos ou influentes no mundo político – enviam quantidades de riqueza a esses paraísos fiscais, e as deixam fora do alcance de seus erários nacionais. Por outro lado, são os esses mesmos que pedem aos demais cidadãos para "atuar em nome do interesse nacional”.
Quando o caso Panama Papers eclodiu, mais de 300 economistas escreveram uma carta para os líderes mundiais pedindo uma "mudança na política de tributação global”. "A existência de paraísos fiscais não contribui para a riqueza ou o bem-estar global, pois não têm nenhum propósito económico útil", escreveram.
Um outro ponto é a incómoda proximidade entre empresas de offshore e os controversos regimes. Por exemplo, um dos clientes da Appleby é a Glencore, uma empresa com direitos de mineração na corrupta República Democrática do Congo.
Mudanças?
Os Panama Papers causaram preocupação em todo o mundo, e entre políticos como Barack Obama e David Cameron. De facto, a retórica do "algo-precisa-acontecer” deverá continuar. Entretanto, os paraísos fiscais são algo aceito como "parte normal da vida”. A sua existência ao longo dos anos – apesar das muitas críticas - é uma prova disso.
Por causa do seu viés "moral”, os Paradise Papers, assim como os Panama Papers, poderão colocar um grande número de pessoas ricas e poderosas numa "saia-justa” por algumas semanas e meses. Mas se haverá consequências eficazes para mais medidas legais, é preciso esperar para ver.