Palma: Amnistia Internacional aponta racismo durante resgate
14 de maio de 2021Os sobreviventes do ataque do grupo armado conhecido localmente como 'Al-Shabaab' em Cabo Delgado, em Moçambique, disseram à organização Amnistia Internacional (AI) que empreiteiros brancos tinham prioridade para a evacuação antes dos residentes locais. A ONG internacional dos direitos humanos classifica o episódio como "racista”.
Segundo o comunicado da AI, Cerca de 220 civis procuraram refúgio no Hotel Amarula Palma, na vila-sede em Palma, durante o ataque que teve início a 24 de março. Destes, cerca de 200 eram nacionais negros, e cerca de 20 eram empreiteiros brancos. Nos dias seguintes, a empresa militar privada sul-africana Dyck Advisory Group (DAG) resgatou alguns.
A Amnistia Internacional entrevistou 11 pessoas que procuraram refúgio no hotel Amarula. Inicialmente, segundo o comunicado, os sobreviventes compreenderam que havia um plano para dar prioridade à evacuação por helicóptero de mulheres, crianças e pessoas com deficiência. No entanto, esse plano foi "aparentemente abandonado nos dias que se seguiram".
"Não queríamos que todos os brancos fossem resgatados, porque sabíamos que se todos os brancos partissem, seríamos deixados lá para morrer. Ouvimo-los falar sobre o plano de levar todos os brancos e deixar os negros", teria dito um sobrevivente a investigadores da AI.
O comunicado da AI leva a público também a indignação de Deprose Muchena, diretora-regional para a África Oriental e Austral da organização. "São alegações alarmantes de que o plano de salvamento foi segregado racialmente, com os contratantes brancos a receberem obviamente um tratamento preferencial", protesta.
Prioridade aos cães
Para a AI, falta de coordenação entre militares moçambicanos e mercenários resultou em "evacuações que foram racistas, e devem ser investigadas minuciosamente".
Depois de a maioria dos "empreiteiros brancos e alguns nacionais negros abastados - entre eles o administrador de Palma - terem sido resgatados, os que ficaram para trás tentaram fugir por comboio terrestre, mas foram emboscados pela 'Al-Shabaab'", segundo o relato da ONG intrernacional.
Os helicópteros só podiam transportar seis pessoas de cada vez, e fizeram um total de quatro viagens. "O facto de o gerente do hotel ter optado por salvar os seus cães em vez das pessoas é também extremamente chocante, e mais uma prova da falta de respeito pela vida humana que tem caracterizado o conflito de Cabo Delgado", destaca Muchena.
O comunicado da Amnistia Internacional informa que a 7 de maio, representantes do Ministério da Defesa (MD) de Moçambique reuniram-se com integrantes da ONG internacional. Segundo a nota, os membros do MD disseram que só podiam falar de missões de salvamento que as suas próprias forças tinham conduzido em Cabo Delgado, e que a raça não era um fator que influenciasse na resposta dos militares moçambicanos.
Imagens de satélite
O comunicado da AI é acompanhado de imagens de satélite obtidas a partir de 1 de abril que revelariam, segundo a ONG internacional, a extensão dos danos causados pelo ataque a Palma - que durou até 31 de março. Segundo a Amnistia Internacional, o ataque concentrou-se nas infraestruturas públicas e instalações governamentais, e não nas casas.
A 9 de abril, imagens de satélite obtidas pela AI mostraram que mais 33 estruturas - provavelmente casas - tinham sido destruídas desde 1 de abril - quando as forças de segurança moçambicanas tinham alegadamente recuperado o controlo da região. No total, 85 estruturas foram visivelmente danificadas, muito provavelmente por fogo.
Num relatório recente, a Amnistia Internacional salientou que centenas de civis em Cabo Delgado foram mortos por 'Al-Shabaab', forças de segurança governamentais e mercenários. A organização apela a uma investigação urgente sobre estes assassinatos, que podem equivaler a crimes de guerra.