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CulturaAlemanha

Berlinale: "Ousem contar as histórias que conhecem"

Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
16 de fevereiro de 2023

África estará representada em mais de uma dezena de filmes na Berlinale 2023. O ator luso-guineense Welket Bungué traz a força dos PALOP. Diretor artístico do festival de cinema dá dicas a produtores interessados.

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Cena do filme alemão "Der vermessene Mensch"
Cena do filme alemão "Der vermessene Mensch", que participa na Berlinale SpecialFoto: Julia Terjung/Studiocanal GmbH

Welket Bungué é a voz dos  Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) nesta 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim.

O ator, realizador e produtor luso-guineense que atraiu os holofotes no tapete vermelho da Berlinale, em 2020, quando concorreu ao urso de ouro como 'Francis' no filme "Berlim Alexanderplatz", está de volta. Foi convidado pelo festival para ser um dos embaixadores dos filmes alemães e tem experiências de sucesso para partilhar.

"Foi um filme que me colocou no mapa do cinema alemão. Ainda hoje em dia continuo a ser reconhecido como Francis daquele filme e também me abriu portas para o mercado internacional", relata.

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"Graças ao Berlim Alexanderplatz, sou encontrado pelo (realizador canadiano) David Cronenberg e acabamos por fazer o filme 'Crimes of the Future' ('Crimes do Futuro', na tradução literal para português) que estreou em Cannes em 2022", acrescenta.

"Portanto, o cinema alemão tem disso bastante generoso comigo e estou bastante curioso para ver quais serão as oportunidades que terei nos próximos anos", diz Bungué.

"Uma casa para mim"

Welket participa também na série televisiva "Davos", uma co-produção de Alemanha e Suiça, que será exibida na Berlinale. As expectativas são enormes e o ator está animado para a sua quarta participação no festival.

"Eu vejo a Berlinale sempre como uma casa para mim. Estou vindo para este festival desde 2017. Este ano é um marco significativo porque já passamos a pandemia. Eu penso que a produção de ficção, tanto no streaming on demand quanto no cinema, está a ganhar uma nova pulsação. Ver que a Berlinale é um festival que continua desenvolvendo bastantes iniciativas e também formas de entender o cinema e de lidar com o público que consome cinema, isso faz com que seja um festival bastante vivo", conclui.

Cena de Berlin Alexanderplatz
Welket Bungué e Jella Haase em cena em Berlim Alexanderplatz que concorreu ao Urso de Ouro em 2020Foto: Imago Images/Prod.DB

Massacres no Zimbabué

África está representada em mais de uma dezena de filmes, seja através de produções africanas ou com temas caros ao continente.

E a produção alemã "The early rains which wash away the chaff before the spring rains" ("As primeiras chuvas que lavam o joio antes das chuvas de primavera", em português), do realizador afro-alemão Heiko-Thandeka Ncube, participa na Forum Expanded.

"É uma colagem de arquivo e material muito diversificado que o artista recolhe para contar uma história muito pessoal. Ele conta a história das atrocidades cometidas no início dos anos 80, na sequência da libertação do Zimbabué, e as repercussões que estas atrocidades ainda têm após gerações. É um trauma transmitido. E ele tenta encontrar expressão visual desse trauma que não é muito concreto, mas é muito visceral, numa curta-metragem muito poderosa com 12 minutos de duração", revela o co-diretor da mostra, Ulrich Ziemons.

A mostra Forum é conhecida pelo seu caráter experimental. Ulrich Ziemons explica que os debates na sequência das apresentações garantem a elucidação das mensagens que se pretende passar e a reflexão sobre temas relevantes ainda nos dias atuais.

"Os eventos específicos em que o filme se baseia, têm naturalmente de ser vistos dentro da trajectória de toda a história da colonização e descolonização que ainda hoje reverbera e que tem um enorme impacto em muitas pessoas ainda hoje."

Imagem do filme
Imagem do filme "The early rains which wash away the chaff before the spring rains"Foto: Heiko-Thandeka Ncube

Genocídio dos Herero e Nama

Já a Berlinale Special tem a curadoria do diretor artístico do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Carlo Chatrian. Entre os selecionados deste ano está o drama histórico alemão "Der vermessene Mensch" ("O Homem Medido", na tradução literal para português).

O realizador Lars Kraume aborda o genocídio dos Herero e Nama no início do século 20, na então colónia alemã "Sudoeste Africano Alemão", atual Namíbia.

"É uma história de ficção baseada em acontecimentos reais. Permite que o público hoje em dia se depare com esta tragédia e penso que permitirá que o público alemão e internacional esteja ciente do que aconteceu mas, por outro lado, que também se emocione com a história," conta-nos Chatrian.

"Ousem contar as histórias que conhecem", convida diretor da Berlinale

Segundo Chatrian, o interesse em apresentar o filme na Berlinale deve-se também ao debate que pode desencadear na sociedade: "É um filme que faz parte de um processo de requestionamento da história da Alemanha. Foi selecionado para a Berlinale Special, que é a secção fora de competição em Berlim e é também onde mostramos filmes nos quais acreditamos mas que ao mesmo tempo abrem discussões, que tratam de temas que vão para além do nível cinematográfico".

Chegar à Berlinale

Para os fazedores de cinema dos PALOP e para aqueles que ainda não o são, mas sonham um dia chegar à Berlinale, Carlo Chatrian revela o que se leva em conta no processo de seleção em Berlim.

"Fazer um filme não requer muito dinheiro. Requer boas ideias e o momento certo para desenvolver essas ideias," afirma.

"Um grande sinal de encorajamento é que, no festival, mostramos filmes que são feitos com pouquíssimos meios, mas que podem chegar a um público maior," acrescenta.

"O conselho que poderia dar é: ousem contar as histórias que conhecem e com as quais estão relacionados - porque é isto que faz a diferença, contar algo que é pessoal," diz.

O diretor artístico da Berlinale reconhece a dificuldade em chamar a atenção entre os milhares de filmes que recebe todos os anos, mas garante que a oportunidade não depende dos meios financeiros.

"O que podemos fazer com os recursos cinematográficos é essencial. Caso contrário, não será relevante. Com certeza, encontrar a forma certa de contar a história é tão essencial como ter uma boa história para contar", recomenda.

Este ano, não há filmes africanos na Competição Principal. Produções de África do Sul, Egito, Burkina Faso, Guiné-Conakry, Marrocos, Nigéria, Ruanda, Senegal e Sudão participam nas diversas mostras.

Cena do filme "Superpower"
Sean Penn e Volodymyr Zelensky, em cena do filme "Superpower" que será exibido na BerlinaleFoto: 2022. THE PEOPLE’S SERVANT, LLC.

Em foco: Irão e Ucrânia

As sessões de cinema voltam a ser presenciais e sem limitações de público. Os protestos no Irão e a guerra na Ucrânia receberão atenção especial em solidariedade às vítimas de guerra, destruição e opressão, não apenas nas produções selecionadas, mas também com eventos especiais.

Os temas dos filmes incluem crise climática, sustentabilidade, diversidade, inclusão, migração, entre outros. Têm em comum foco na realidade e preocupações com o futuro.

Este ano, o realizador norte-americano Steven Spielberg será o homenageado da Berlinale.

A 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim movimenta a capital alemã de 16 a 26 de fevereiro.

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