"Os que vieram de África"
1 de novembro de 2012
Muitos dos que se revêem neste livro da jornalista Rita Garcia fizeram questão de comparecer no lançamento da obra em Lisboa. Carlos Silva conta que chegou a Portugal em julho de 1975. Tinha ido para Angola com 16 anos. Diz que fez a tropa lá e ainda o curso de Sargentos Milicianos. Casou lá e foi lá que nasceram os seus três filhos. "Quando cheguei a Portugal fui mal recebido, fui apelidado de ladrão de pretos. Eu não roubei ninguém porque eu trabalhava com o preto", recorda.
Carlos Silva regressou com a família através daquela que acabou por ser uma das maiores pontes aéreas de resgate de civis jamais implementadas. De Angola não trouxe nada, tal como muitos dos que o acompanharam. Silva e a mulher fazem parte de um minucioso trabalho de investigação que a autora compilou no livro "Os que vieram de África", publicado pela editora Leya.
Em "Os que vieram de África", a escritora reconstitui o regresso, nos anos 1970, de meio milhão de portugueses das ex-colónias, num dos episódios mais conturbados da história lusa. Se os que vinham de África preferiam lá ter ficado, os que estavam em Portugal receberam-nos com desconfiança. Nos primeiros tempos, passaram fome e frio, enfrentaram o desemprego e viveram amontoados em quartos ou casas degradadas. A jornalista, que já publicou "SOS Angola – Os dias da Ponte Aérea", revela histórias de sobreviventes, entre homens e mulheres, atirados para um lugar distante chamado Portugal – um lugar radicalmente diferente da terra que amavam.
"O livro transmite visão imparcial do que aconteceu"
Segundo Rita Garcia, "as pessoas terão leituras mais ou menos inflamadas daquilo que se passou", mas o seu esforço, diz, foi no sentido de tentar "que as histórias fossem relatadas de uma forma objetiva e sem grandes paixões".
O livro de Rita Garcia chegou às livrarias na semana passada e esta quarta-feira (31.11.) foi apresentado ao público por Paula Teixeira da Cruz, que se despiu do cargo de ministra da Justiça para recordar aquele período dramático. "Isso hoje diluiu-se de uma forma extraordinária", diz Paula Teixeira da Cruz, "houve muitos que nunca se habituaram a Portugal e que emigraram, por exemplo para o Brasil". A dedicatória de ambas as obras de Rita Garcia, tanto "SOS Angola – Os Dias da Ponte Aérea" como "Os Que Vieram de África", é "profundamente feliz", diz a ministra.
Atualmente regista-se um novo regresso de portugueses a África, uma realidade conjuntural que também poderá estimular a escrita, como admite Rita Garcia, para quem os laços entre Portugal e as ex-colónias não se quebraram. "Penso que quando nós, portugueses, visitamos as ex-colónias não nos sentimos hostilizados, antes pelo contrário". Apesar de ter havido um passado colonial e de ter "certamente havido um passado marcado por alguns abusos que são típicos das sociedades coloniais, acho que não há um ódio entre as várias culturas e não há uma hostilidade em relação aos portugueses", conta a autora.
"Os que vieram de África" revela uma verdade dolorosa para muitos, até hoje incómoda para alguns. Mas, hoje, depois de 38 anos, apesar das marcas daquele tempo, Carlos Silva faz parte dos que já se reconciliaram culturalmente com esse passado.
Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Marta Barroso/António Rocha