Sem prestar contas, partidos estão excluídos das eleições?
8 de junho de 2022O assunto domina o debate em vários fóruns na Guiné-Bissau, desde que na, semana passada, o Ministério Público guineense advertiu os partidos sobre a obrigatoriedade de apresentarem os respetivos relatórios de contas das últimas eleições legislativas, realizadas em 2019, sob pena de serem excluídos do próximo processo eleitoral.
O assunto divide a opinião pública guineense, entre aplausos e críticas ao Ministério Público, que, segundo algumas opiniões, está a cumprir a agenda política de terceiros.
Em entrevista à DW África, o coordenador do gabinete do Ministério Público de Luta Contra Corrupção e Delitos Económicos, Juscelino Pereira, esclarece, no entanto, que "não é o Ministério que vai impedir [a participação dos partidos nas legislativas, embora ele seja] um dos intervenientes no processo de admissão das candidaturas" dos partidos.
"Quando solicitado, o Ministério Público faz uma promoção a dizer que [certo] partido não cumpriu uma condição prévia para participar nas eleições. Nós não estamos a dizer que os partidos devem vir cá prestar contas, os partidos prestam contas à Comissão Nacional de Eleições", explica Pereira.
MP age dentro da lei
O coordenador do gabinete do Ministério Público de Luta Contra Corrupção e Delitos Económicos garante que a atuação da sua instituição está dentro da lei.
"A Lei-Quadro dos Partidos Políticos, de 1991, fala no artigo 25 da necessidade de prestação de contas dos partidos políticos. Diz que os partidos, anualmente, devem apresentar o relatório de contas, discriminando as receitas e despesas", pontua.
Ainda de acordo com Juscelino Pereira, "o artigo 49 da Lei Eleitoral diz também que as entidades concorrentes [às eleições] devem, no prazo máximo de 60 dias após a proclamação dos resultados [eleitorais], prestar contas à Comissão Nacional de Eleições. Se não o fizerem, o artigo 175 diz que eles não podem participar nas eleições subsequentes".
Analista discorda
Contudo, no entendimento do jurista Augusto Nansambé, o Ministério Público está a interpretar mal a lei.
Ouvido pela DW África, Nansambé explica que "a entrega do relatório dos partidos políticos como condição para participar no processo eleitoral não é legal".
"O Ministério Público só podia exigir se o Estado tivesse financiado os partidos. Nesse caso, os partidos são obrigados a entregar o relatório de contas", aponta.
Mas Juscelino Pereira, do gabinete do Ministério Público de Luta Contra Corrupção e Delitos Económicos, diz que o Estado da Guiné-Bissau financiou sempre os partidos. O responsável dá como exemplo as isenções aduaneiras e as subvenções em dinheiro às formações políticas com assento na Assembleia Nacional Popular (ANP).
Apenas um partido prestou contas
Em 2019, o Partido de Unidade Nacional (PUN) foi o único que, depois das eleições legislativas, entregou o relatório de contas à Comissão Nacional de Eleições.
O líder do PUN, Idriça Djaló, afirma que a exigência agora do Ministério Público ajuda a clarificar a origem dos fundos geridos pelas formações políticas guineenses.
"A classe política dirigente, os maiores partidos políticos [da Guiné-Bissau], transformaram as eleições numa operação de compra e venda de votos. Se não controlarmos o dinheiro que está a ser utilizado, pomos em perigo não só a qualidade das eleições, mas também o Estado e a paz na Guiné-Bissau. O país corre o risco de ter, na governação, devedores de crime organizado internacional", afirma Djaló.
É muita vezes motivo de debate na Guiné-Bissau a origem dos fundos, mas também a campanha eleitoral "luxuosa" dos partidos políticos e candidatos que, oficial e publicamente, não respondem às questões colocadas sobre a matéria.