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Mário Machungo, um homem que "soube adaptar os ideais"

18 de fevereiro de 2020

Moçambique decretou dois dias de luto nacional pela morte do ex-primeiro-ministro Mário Machungo. Em entrevista à DW, o economista João Mosca lembra a capacidade de adaptação de um homem de "ideais bem definidos".

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Mário Machungo, ex-primeiro ministro de MoçambiqueFoto: DW/J. Carlos

O antigo primeiro-ministro moçambicano Mário Machungo morreu na segunda-feira (18.02) de doença prolongada, aos 79 anos. O Governo moçambicano decretou dois dias de luto nacional, a 23 e 24 de fevereiro.

Machungo teve vários cargos ministeriais após a independência de Moçambique: ocupou as pastas da Indústria e Comércio, da Indústria e Energia, da Agricultura e do Planeamento e Desenvolvimento. Depois, foi primeiro-ministro durante quase dez anos, entre 1986 e 1994.

Segundo o jornalista e analista moçambicano Fernando Lima, o ex-primeiro-ministro foi uma das pessoas que compreendeu a "necessidade de o país optar por outras políticas e não apenas o socialismo", face à guerra e à pobreza no país. Machungo impulsionou o Programa de Reabilitação Económica (PRE), que trouxe consigo uma mudança fundamental no rumo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido que governa, afastando-se do socialismo.

Mário Machungo dedicou-se depois à banca, e acusaram-no de trair os seus ideais. Mas o economista João Mosca, que chegou a colaborar com Machungo, não vê nisso quaisquer incoerências: o antigo primeiro-ministro era um "homem com ideais bem definidos", mas soube adaptá-los às circunstâncias, afirma. "No momento em que se vivia, ele teve absoluta consciência que as opções iniciais não eram mais possíveis", sublinha Mosca em entrevista à DW África.

João Mosca
Economista moçambicano João MoscaFoto: DW/J. Beck

DW África: Que legado deixa Mário Machungo?

João Mosca (JM): Ele deixa um legado sobretudo de ideais, de homem com ideais bem definidos. Um homem consequente e firme, que sabe adaptar os ideais, a teoria e os objetivos políticos a uma realidade concreta, que, muitas vezes, é adversa, com uma capacidade de interpretação e de adaptar as medidas a esses condicionalismos. É um homem que, embora num contexto de regime autoritário, sabia ouvir, com uma componente de democracia.

DW África: O Programa de Reabilitação Económica significou uma viragem na política da FRELIMO. Machungo era então primeiro-ministro. Que marcas deixou?

JM: Como o seu perfil e base ideológica não era liberal, ele entendeu perfeitamente a necessidade da reabilitação económica face, por um lado, à crise e ao colapso dos países socialistas, que eram os principais suportes de Moçambique na altura, e, por outro lado, face à guerra civil, que tomava proporções muito alargadas no território, e ao próprio contexto da África Austral. E não havia outra saída para Moçambique que não fazer um Programa de Reabilitação Económica com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Mas eu sei também, porque fui colaborador direto dele em vários momentos, que ele fez frente e impôs certos travões a certas opções que se pretendiam muito mais rápidas por parte do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, nomeadamente a questão das privatizações. Ele foi muito cauteloso, mas infelizmente nem sempre teve força. Perante a crise e a situação económica do país, e também eventualmente face a algumas forças internas ao próprio Governo, ele acabou por não ser totalmente eficaz, no sentido de pôr os seus pontos de vista em prática.

Mário Machungo, um homem que "soube adaptar os ideais"

DW África: Depois do tempo na governação, Mário Machungo foi para a banca. Aí, que papel teve?

JM: Ele foi o principal suporte de algum capital estrangeiro em Moçambique… Ele foi praticamente o ponto de partida da negociação, da construção do próprio Millennium Bim, que hoje é o maior banco moçambicano. É um homem que trabalhou muito na banca antes da independência. Naturalmente que muitos criticam o seu posicionamento, de um certo ideal de convicção socialista, de transformação da sociedade para um Estado de planificação central, bastante estatizado em termos de economia, para uma atividade privada ligada ao capital externo, até multinacional. Mas penso que, a partir de certo momento, ele também verificou que as grandes opções de mudança interna no país, no sentido das suas convicções, eram limitadas ou impossíveis.

DW África: Viu que o socialismo não era o caminho a seguir…

JM: Claramente viu isso. No momento em que se vivia, ele teve absoluta consciência que as opções iniciais não eram mais possíveis. Não tenho qualquer dúvida disso. Eu estive em vários momentos muito próximo dele, não só profissionalmente mas também noutras atividades, e ele falava claramente nesses aspetos.