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Moçambique: Seis "fraudes" mancham as eleições gerais

15 de outubro de 2024

É unanimidade entre observadores, sociedade civil e partidos da oposição: as eleições gerais em Moçambique foram repletas de ilícitos. A DW reuniu seis "fraudes" que mancharam o processo.

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Presidente de mesa segura boletim de voto numa assembleia no dia das eleições gerais
Votação foi pacífica, mas cheia de irregularidades, dizem observadores, sociedade civil e partidos da oposiçãoFoto: Zinyange Auntony/AFP

As eleições gerais de 9 de outubro, em Moçambique, foram pacíficas. Mas ao longo do processo eleitoral foram verificados vários ilícitos e alegadas fraudes.

É isso o que observadores nacionais e internacionais, a sociedade civil e partidos e candidatos da oposição estão a afirmar após o dia do voto.

São ilícitos que, segundo plataformas civis moçambicanas, não são novos, e já foram verificados em eleições anteriores.

A DW resumiu aqui as principais denúncias:

1. Recenseamento irregular

Há relatos de eleitores que foram votar, mas não encontraram os seus nomes nos cadernos eleitorais.

Na província de Nampula, por exemplo, a DW ouviu observadores eleitorais ligados à sociedade civil, que denunciaram "um número elevado de eleitores que se recensearam", mas cujos nomes não constavam naqueles cadernos no dia da votação. 

Em declarações à imprensa, Venâncio Mondlane, candidato apoiado pelo Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), disse que em Nampula e em Cabo Delgado houve "vários casos também em que apareceram cadernos eleitorais diferentes dos cadernos que os partidos receberam por via do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), com eleitores diferentes, cadernos totalmente adulterados". 

Eleitor moçambicano mostra o dedo sujo de tinta após votar na Beira
Há relatos de eleitores que não conseguiram votar por não terem encontrado o seu nome nos cadernos eleitorais Foto: Zinyange Auntony/AFP

"Vários moçambicanos tiveram os seus nomes trocados nos cadernos eleitorais, não podendo assim exercer aquele que era o seu poder de voto", afirmou o coordenador da plataforma DECIDE, Wilker Dias, num vídeo enviado à DW.

Por seu turno, a chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia em Moçambique, Laura Ballarín, sublinhou que "se verificou uma notável falta de confiança na fiabilidade dos cadernos eleitorais e na independência dos órgãos eleitorais".

2. Boletins de voto adulterados

A oposição moçambicana relatou diversas irregularidades nos boletins de voto no dia 9 de outubro.

Em Maputo, o candidato presidencial apoiado pelo PODEMOS avançou, por exemplo, que "em 10 dos 11 círculos eleitorais, no boletim de voto [das legislativas], o PODEMOS apareceu na posição 16, sendo que num dos círculos aparece mesmo na posição 15, apesar de ter sido sorteada a posição 17". 

O partido extraparlamentar Ação do Movimento Unido para Salvação Integral (AMUSI) denunciou supostas irregularidades detetadas nos boletins de voto e levantou a tese de uma "fraude premeditada".

De acordo com o partido, o nome e símbolo do AMUSI apareciam no verso dos boletins de voto nos círculos eleitorais em que concorre ao Parlamento moçambicano, situação descrita pela formação política como "ilícito eleitoral grave".

Boletim de voto das presidenciais de 9 de outubro
Partidos da oposição denunciam irregularidades nos boletins de votoFoto: Alfredo Zuniga/AFP

Em Quelimane, o candidato da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) a governador da Zambézia, Manuel de Araújo, por seu turno, denunciou um “circuito paralelo de boletins de voto”.

"Está mais que provado que há um circuito paralelo de boletins de voto. Nós, em Quelimane, temos em nosso poder 117 votos originais que foram descobertos em armazéns do STAE. A pergunta é: como é que há boletins oficiais fora do circuito normal?", dá conta Araújo.

3. Exclusão de observadores e delegados da oposição

A missão de observação eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) falou sobre esta situação: "Verificou-se grandes disparidades no número de delegados partidários, com um partido representado [FRELIMO], tipicamente, por dois delegados, em praticamente todas as mesas, enquanto outros partidos tinham uma presença mais reduzida", disse João Cravinho, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português.

Essa disparidade foi denunciada como ilícito eleitoral pelos partidos e candidatos da oposição. Venâncio Mondlane, apoiado pelo PODEMOS, disse ter conhecimento de "vários casos de delegados do PODEMOS que foram proibidos de aceder às salas. Temos também vários casos em que não se emitiram as credenciais em número suficiente".

Em Maputo e na província de Nampula, a RENAMO denunciou igualmente "falta de credenciação" dos seus delegados de candidatura e apontou a suposta inutilização das credenciais que o partido previamente atribuiu aos seus membros para as eleições gerais. 

João Cravinho, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal
João Cravinho: "Verificou-se grandes disparidades no número de delegados partidários"Foto: Nádia Issufo

O Consórcio Eleitoral Mais Integridade diz que registou casos de impedimento de observadores e delegados de candidatura em pelo menos 90 mesas. Refere igualmente que os casos registaram-se nas províncias do Niassa, Zambézia e Sofala, em que foram visados observadores e delegados de candidatura dos partidos RENAMO, Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e PODEMOS. 

4. Preenchimento de urnas

Nas províncias de Nampula e Zambézia, por exemplo, pessoas foram flagradas com boletins de voto já preenchidos – o que levantou suspeitas de preenchimento de urnas.

Em entrevista à DW, o analista André Mulungo, oficial do Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), relatou o problema. "Vimos, por exemplo, nas primeiras horas do dia da votação, pessoas encontradas com boletins pré-votados a favor do partido FRELIMO. Podemos citar casos de Gaza e de outros pontos do país".

O Consórcio Eleitoral Mais Integridade denunciou o "enchimento de urnas nas províncias de Zambézia e Nampula e/ou de eleitores descobertos com boletins pré-marcados e votos plúrimos". 

Eleitora moçambicana deposita voto na urna em Nampula
Consório Eleitoral Mais Integridade denuncia o "enchimento de urnas" em NampulaFoto: Nádia Issufo/DW

O alegado preenchimento das urnas também foi denunciado por partidos da oposição no dia da votação. Na província de Sofala, o cabeça de lista do MDM, José Domingos Manuel, afirmou que pessoas estariam a votar em várias mesas "usando um produto para branquear o dedo".

O analista e coordenador da plataforma da sociedade civil DECIDE, Wilker Dias, avançou que "vários moçambicanos não conseguiram exercer o seu poder de voto, porque já tinham os seus nomes preenchidos em outros pontos".

Num vídeo divulgado pela sua plataforma, Wilker Dias também destacou que em algumas mesas de voto, principalmente nas zonas centro e norte de Moçambique, já se tinham esgotado os boletins de voto, "mas sequer a metade da mesa tinha sido alcançada".

"E desta feita nós estamos a verificar algumas situações que levam a crer que o preenchimento das urnas é uma realidade", concluiu.

5. Intimidação de eleitores

Observadores eleitorais internacionais e da sociedade civil moçambicana pontuaram várias situações de intimidação dos eleitores e também de funcionários eleitorais no dia das eleições gerais.

Ouvido pela DW em Nampula, o observador eleitoral Gamito dos Santos Carlos, relatou, por exemplo, o "uso indevido de polícias camuflados, inclusive como Membros de Mesa de Voto (MMVs)".

Ainda de acordo com esse relato, foi verificado em Nampula a presença de funcionários públicos e detentores de altos cargos do Estado na presidência das mesas – "pessoas que por lei não deveriam lá estar", critica Gamito dos Santos Carlos.

Em conferência de imprensa dois dias após a votação de 9 de outubro, o ex-primeiro-ministro do Chade, Succés Masra, que atuou como observador eleitoral pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), destacou que foram verificadas situações de "votação por intimidação do eleitor".

"Esses problemas levantam questões sobre a confiança do público e a independência das instituições", afirmou Masra.

6. Falta de materiais

Tanto na votação quanto na contagem dos votos, muitos locais de votação registaram falta de materiais para o processo eleitoral.

Em Quelimane, na província da Zambézia, o correspondente da DW, Marcelino Mueia, verificou grandes atrasos na abertura de algumas assembleias de voto. Isso devido à falta de material para o início da votação, como boletins de voto, por exemplo.

Durante o processo da contagem de votos, por exemplo, a plataforma moçambicana Sala da Paz verificou cortes sistemáticos de energia elétrica, a falta de material como lanterna, giz e quadros, a demora e a não fixação de editais em algumas assembleias de voto.

Membros das mesas de voto realizam a contagem de votos em Gaza
Sala da Paz diz ter verificado várias irregularidades também na contagem de votos no paísFoto: Carlos Matsinhe

Em declarações à DW, o presidente do Parlamento Juvenil de Moçambique e membro da Sala da Paz, David Fardo, acrescentou que "num número considerável de mesas de votação, tivemos situação de não respeito à própria legislação, sendo que, encerrado o processo de votação, a contagem em algumas mesas iniciou praticamente 1 hora e meia depois".

Também de acordo com Fardo, em alguma mesas, não foi disponibilizado os editais e atas da votação pelo presidente da assembleia aos observadores eleitorais, delegados da oposição e jornalistas – como prevê a lei moçambicana.

"Os observadores não tiveram acesso porque simplesmente os presidentes das mesas diziam que obedeciam ordens superiores e que eles igualmente não fariam a entrega deste documento, sendo que a lei já prevê esta obrigatoriedade", avançou David Fardo.

Num comunicado, a Sala da Paz disse que esses são problemas antigos, já verificados em eleições anteriores.

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Thiago Melo da Silva
Thiago Melo Jornalista da DW África em Bona
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