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Prisão preventiva sem prazos "viola os direitos humanos"

29 de junho de 2022

Alteração do Código Penal permite que indivíduos sejam detidos preventivamente, sem saberem por quanto tempo. Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados associa a mudança às "dívidas ocultas".

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Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique
Foto: DW/Romeu da Silva

A alteração do Código Penal em Moçambique permite que indivíduos fiquem detidos, mesmo sem condenação final, sem que lhes seja dito por quanto tempo.

Mas um outro aspeto intriga. Desconfia-se que esta alteração da lei penal seja um expediente político para que os acusados no caso das "dívidas ocultas" continuem detidos, embora os prazos de detenção tenham expirado, de acordo com o Jornal Evidências.

Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, acredita que "o legislador está apenas a olhar para questões políticas e não para questões de legalidade". Isto porque, segundo Zacarias, a falta de prazos para prisão preventiva "é uma grave violação dos direitos humanos”.

DW África: Com a supressão dos prazos de prisão preventiva, estamos perante uma violação aos direitos humanos no país?

Ferosa Zacarias (FZ): É uma grave violação aos direitos humanos porque é importante que cada cidadão saiba porquê e por quanto tempo vai ser restringida a sua liberdade. E não é o que acontece agora com essa nova revisão.

DW África: E parece não haver consenso até mesmo entre os juízes do Conselho Constitucional. Dos cinco, sete parecem ter votado contra a declaração de inconstitucionalidade do referido artigo. Na sua opinião, o que explica essa falta de consenso entre os próprios juízes?

FZ: É inegável a associação deste ponto com a questão das dívidas não declaradas.

Arguido Ndambi Guebuza durante o julgamento das "dívidas ocultas", em Maputo
Leitura da sentença do julgamento das "dívidas ocultas" está marcada para agostoFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Acredita que há um expediente político para manter os arguidos nas cadeias, incluindo os arguidos do processo das "dívidas ocultas"? 

FZ: Não poderei exercer comentários direcionados ao processo. [Mas] noto que há, sim, um certo receio de deixar como estava porque as pessoas têm advogados, os constituídos poderão beneficiar disso. E também temos o lado político do julgamento. É por isso que o legislador está a preferir cometer essa grave violação dos direitos humanos, olhando para questões políticas e não para questões de legalidade, porque é inconcebível que estejamos a debater este ponto que já era um grande ganho para o nosso país.

DW África: Como será possível um debate mais abrangente sobre o tema na sociedade? Até mesmo incluir a sociedade civil no debate, se há possibilidades para isso em Moçambique?

FZ: Esse é um nosso grande constrangimento enquanto país - esta auscultação pública, o envolvimento de todos os atores. A Ordem já fez o seu papel, conforme é do conhecimento público, as organizações da sociedade civil também têm estado a fazer o seu trabalho. Mas é importante envolver também os outros pilares da administração da justiça. Não é de se esperar que seja só uma entidade como a Ordem, como a sociedade civil, a requerer a verificação da constitucionalidade dessa norma ilegal. É importante olhar também a magistratura judicial, o Ministério Público porque é evidente não se colocar prazos para a prisão preventiva é uma grave violação dos direitos humanos.

Tainã Mansani Jornalista multimédia