Moçambique: Economista apoia fim de subsídios a combustíveis
22 de março de 2017O Ministério dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique aumentou esta quarta-feira (22.03) os preços dos combustíveis. Numa nota à imprensa, o Governo moçambicano garante que vai continuar "a proteger os setores mais necessitados, nomeadamente o transporte coletivo público e privado de passageiros, os agricultores, a geração de energia nos distritos e a pesca industrial e semi-industrial".
Segundo o Executivo, os transportadores continuarão a beneficiar do subsídio ao combustível por forma a não agravarem as tarifas cobradas aos passageiros. "Atualmente, o Governo está a subsidiar o preço do combustível de forma generalizada, o que não se ajusta à realidade atual pelos encargos que este subsídio representa para a estrutura de custos do Estado", lê-se no comunicado.
A medida já está a ser condenada pelos operadores de transportes de passageiros que se queixam de falta de apoio do Governo e já ameaçam com paralisações e aumento de preços. Em entrevista à DW África, o economista moçambicano Hipólito Hamela, docente na Universidade Eduardo Mondlane, defende a opção do Governo de Moçambique, afirmando que o sistema anterior "estrangulava o país”.
DW África: Quem é que vai pagar estes aumentos nos combustíveis?
Hipólito Hamela (HH): Primeiro de tudo, os aumentos vão afetar os transportes públicos. E as pessoas com menores rendimentos usam os transportes públicos. Sabemos que os transportes públicos não vão alterar os preços, mas também sabemos que os transportes semi-coletivos privados, os chamados "chapas”, através de acordos que têm com os municípios, o Ministério dos Transportes e as direções provinciais, também não vão alterar o preço amanhã ou depois de amanhã, porque o preço do combustível foi alterado hoje. No entanto, vão ser afetados: a sua rentabilidade vai diminuir.
O sistema de subsídios que existe para os transportes semi-coletivos de passageiros não é acessível para muitos semi-coletivos porque exige uma contabilidade organizada, uma empresa cuja governação tem transparência suficiente para negociar as contrapartidas com o Ministério da Economia e Finanças ou com a Autoridade Tributária. Pouquíssimos transportadores conseguem fazer isso. Logo, recorrem a um sistema de encurtamento de rotas: mesmo que a sua rota seja de cinco quilómetros, pelos quais cobravam sete meticais, passam a fazer três quilómetros e meio, continuam a cobrar os sete meticais e descarregam os clientes a meio do caminho. Ajustam a operação ao preço que cobravam anteriormente, porque não podem subir os preços. O aumento de preços cria uma revolução, leva a greves, convulsões sociais.
DW África: O Governo diz que vai manter o subsídio a este setor. Estamos a falar do mesmo subsídio ou o valor será ajustado?
HH: O valor pode vir a ser ajustado, mas o problema não está no subsídio. O subsídio existe, está bem organizado, no que diz respeito ao Governo. No entanto, do ponto de vista cultural, na realidade sócio-económica moçambicana ou no estilo de negócio dos nossos operadores de transportes semi-coletivos, é preciso fazer alguma coisa. Qualquer coisa não está certa, não encaixa, não está bem.
DW África: Não poderá agravar-se o peso dos subsídios nos cofres estatais?
HH: Não. Olhemos para mim. Acabo de abastecer o carro. Fiz o teste para ver o que significa [o aumento do preço] no valor que eu normalmente usava para conduzir o meu carro durante uma semana e vi que perdi cinco litros. O ponto essencial é que, mesmo assim, eu concordo com os aumentos. O sistema como estava a funcionar estrangulava o país. De cada vez que o Governo tinha de pagar a fatura dos combustíveis, duas ou três vezes por ano, o país parava. Os bancos ficavam paralisados, os dólares desapareciam do mercado. Isto, porque o Governo tinha de ir buscar o dinheiro a algum lado, porque não o ia buscar aos consumidores finais. Isso não estava bem.
Pessoalmente, concordem comigo ou não, acho que o Governo está a fazer bem em libertar-se destes subsídios, assim como deve libertar-se dos subsídios da energia e da água. Estão a distorcer a economia. Deve manter os subsídios sobre outras coisas básicas, de que o povo precisa, não no combustível que os camiões sul-africanos, zimbabueanos, malauianos (...) usam para fazer transporte internacional. Do ponto de vista económico, não temos economia, nem pujança, nem gabarito para ter este tipo de subsídios.
DW África: Do ponto de vista dos orçamentos familiares, a medida terá algum impacto...
HH: Por isso é que é os subsídios localizados têm de continuar. O subsídio ao combustível via transporte público tem de continuar. É preciso continuar a subsidiar a farinha de trigo, o pão, o básico. É preciso diminuir as taxas do arroz, da farinha de milho. Acho que é aí que o Governo tem de se concentrar.
DW África: O Governo diz que é necessário começar a aplicar na íntegra a legislação sobre a matéria dos combustíveis, nomeadamente a revisão dos preços de venda ao público numa base mensal. Já há quem diga que este aumento é apenas o primeiro de vários nos próximos meses. Será assim?
HH: Não tenho dúvidas. Foi a primeira vez na vida que ouvi um governante citar como deve ser a lei sobre os combustíveis. A cada última quarta-feira do mês é preciso rever os preços dos combustíveis para ver se o preço internacional se alterou, se a taxa de câmbio – como importamos tudo – se alterou, e, em função disso, discutir se o preço do combustível sobe ou desce. Resta ver o que é que vai acontecer quando estes parâmetros descerem. Quero ver se baixam o preço. Só assim é que tudo isto será credível.