Moçambique: Crimes contra vida selvagem ganham penalização
26 de novembro de 2020A revisão do código penal aprovado em 2019 já incorpora a penalização de crimes contra a vida selvagem, como o abate sem licença de qualquer espécie protegida ou proibida da fauna e flora. A moldura penal varia de 12 a 16 anos de prisão, equiparando-se à reposta legal relacionadas à vida humana.
Segundo o juiz conselheiro do Tribunal Supremo, Pedro Sinai Nhatitima, os três instrumentos - ou seja, Código Penal, processo penal e execução de penas - entrelaçam-se em virtude de abarcarem, por um lado, a prática do crime ou suspeita da sua prática, o processo-crime e, por outro lado, a execução da pena.
Nhatitima disse ainda que nestes novos diplomas legais a máquina do setor da justiça irá encontrar respostas adequadas para os desafios que a província de Manica enfrenta no que tange à poluição ambiental, derivada da exploração dos recursos minerais e da caça furtiva.
"Hoje abater um animal em extinção ou em risco de extinção tem um valor quase idêntico de quando se põe em causa a vida humana. Sabemos que há pessoas que estão a tomar conta desses recursos de forma ilícita, que são exportados para fora. [Isso] prejudica o nosso ambiente, a nossa economia e a sociedade. Então é preciso pôr um travão nessa situação e o que o legislador fez foi responsabilizar de forma grave essas circunstâncias", justifica o juiz.
Na província de Manica, os distritos de Macossa, Tambara, Barue, Machaze, Sussundenga e Mossurize são os que registam mais casos de caça furtiva.
Corrupção é obstáculo à lei
O jornalista e jurista Nelson Benjamim enalteceu a aprovação da Lei de Protecção dos Recursos Faunísticos, mas não descarta fragilidades no Código Penal ora aprovado.
"Nós temos antes de se neutralizar os caçadores furtivos, [neutralizar a possível corrupção dos] fiscais. Muitas das vezes os caçadores furtivos, a maior parte deles, são poderosos em termos financeiros. Eles investem tudo para lograrem os seus intentos", avança.
Benjamim explica que quando os caçadores encontram um "fiscal meio fragilizado financeiramente", acabam encontrar uma oportunidade de saquear os recursos faunístico. "E o sistema em si fica prejudicado porque a corrupção está em alta de outro lado, mas esse factor pode estar aliado àquilo que eles [os fiscais] ganham num determinado mês", diz a jurista.
De acordo com Inácio Vumbuca, porta-voz da Procuradoria Provincial de Manica, as reformas são bem-vindas, pois tornam os órgãos da administração da justiça mais céleres, eficientes e eficazes.
"O edifício da justiça de forma geral, em especial a justiça penal, deve-se ajustar aos problemas sociais atuais. Contudo não quer dizer que os problemas se resolvem aprovando frequentemente as leis. A lei é só uma parte de solução, pois uma boa lei nada adianta sem uma boa aplicação", argumenta.
Evolução da Justiça
Segundo Edson Macuacua, secretário de Estado em Manica, o novo instrumento jurídico procura introduzir um novo paradigma na administração da justiça.
Para Macuacua, trata-se ainda de um novo paradigma de mudança de uma justiça retributiva para justiça restaurativa. Ou seja, evoluiu de um sistema e processo penal com um forte pendor requisitório para acusatório e de uma justiça penal do inimigo para justiça penal do cidadão.
"Trata-se de uma legislação que cria e gera novos desafios para os quais todos seremos chamados a participar. Como qualquer legislação ela não é perfeita e não é isenta de falhas e imune a críticas", admite o secretário de Estado.
"Por isso, o ativismo judicial e a jurisprudência serão cada vez mais chamados como fontes de direito e importantes na interpretação e correta aplicação do direito e do sistema penal que estamos a construir em Moçambique", conclui.