Moçambique como corredor de droga prejudica imagem do país
3 de julho de 2018A dificuldade em fazer passar a droga pela Ásia central e Europa de Leste tem feito crescer o tráfico pela chamada "rota austral", revela o estudo "A Costa da Heroína", financiado pela União Europeia (UE). E Moçambique parece ser um elo fundamental numa complexa cadeia que começa no Afeganistão e passa pela África austral e oriental para chegar à Europa.
O comércio no país terá subido para 40 toneladas ou mais por ano, de acordo com o relatório elaborado pelo projeto ENACT, que pretende melhorar a resposta de África ao crime organizado transnacional e é implementado pelo Instituto de Estudos de Segurança e pela Interpol.
Apesar de não conhecer os pormenores do documento, o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, diz que é preciso ter em conta a localização do país e a sua extensa costa, que o tornam um ponto de passagem incontornável. Mas assegura que as autoridades estão a tomar medidas para proteger a linha fronteiriça.
"Temos provas evidentes de apreensões diárias nos aeroportos, nos portos, em alguns pontos que são linhas de entrada na fronteira terrestre", refere Inácio Dina. "Há também dados evidentes de um combate cerrado a qualquer pretensão de práticas corruptivas dentro da corporação policial. Há evidências claras que atos de combate à corrupção estão em curso."
Dados "preocupantes" para Moçambique
O jornalista Francisco Carmona não ficou surpreendido com o estudo, mas diz que os dados, apesar de não serem novos, não deixam de ser preocupantes, sobretudo para a já fragilizada imagem de Moçambique.
"Vários relatórios sobre tráfico de droga citam Moçambique como um corredor preferencial para a passagem de droga para a Europa vinda da Ásia para Moçambique, depois para África do Sul e daí para a Europa. O país continua na geografia dos países preferidos como corredor de droga e isso é preocupante para a imagem do próprio país, que também já estava muito mal na fotografia por causa das chamadas dívidas ocultas", explica.
O estudo fala também em "práticas institucionalizadas" para ocultar apreensões de drogas pesadas e procedimentos para determinados contentores escaparem a inspeções.
Polícia diz-se "preparada"
Perante este cenário, estará a polícia moçambicana preparada para lidar com um problema desta dimensão? "A polícia está preparada", assegura o porta-voz da PRM. Além de ter departamentos especializados que se dedicam à proteção das linhas fronteiriças, "a Polícia da República de Moçambique também faz parte de um conjunto de polícias da África Austral e é membro de várias entidades polícias regionais e internacionais com competência para discutir e definir medidas para a área do combate à droga", especifica.
Segundo o porta-voz da PRM, tem havido "avanços bastantes significativos", sobretudo nos pontos de entrada, nas fronteiras terrestres, e também nos aeroportos, "onde a tecnologia é bastante visível para evitar qualquer tentativa de ludibriar as autoridades. E também há agentes formados para detetar qualquer ilícito de ocultação de droga."
Segundo o estudo, os traficantes consolidaram-se no mercado e têm ligações de longa data com "elementos ligados à elite política". No entanto, desde que Filipe Nyusi é Presidente, alguns traficantes perderam influência e poderá haver uma reconfiguração do negócio.
Francisco Carmona, chefe de redação do semanário moçambicano Savana, considera que "é normal essa mudança", até porque o negócio da droga obedece a essa lógica, "para confundir as investigações".
"Relatórios antigos também referem essas mudanças e também ligações com algumas figuras. Na verdade nunca apareceram nomes em concreto, mas diz-se que têm ligações e são protegidos por algumas figuras ligadas ao partido governamental (FRELIMO)", afirma o jornalista.
Novos grupos no norte
Os ataques no norte de Moçambique também são referidos no documento. Em Cabo Delgado, por exemplo, um grupo armado que tem atacado locais remotos estará a tentar entrar no tráfico de droga.
O relatório menciona ainda "o surgimento de novos grupos estrangeiros, mais pequenos, controlados à distância", que podem ser o resultado da luta contra traficantes na Tanzânia e das apreensões ao largo da costa do Quénia.
Para Francisco Carmona, tudo indica que este cenário ainda vai piorar nos próximos tempos. "Quase todos os dias temos notícias de problemas lá no norte e ainda não vimos uma ação muito forte e rigorosa do Estado para parar essas situações", refere.
O jornalista defende que Moçambique deve "recorrer aos protocolos que assinou com outros países com alguma experiência para lidar com esta situação, investigar mais e procurar levar os responsáveis à barra do tribunal."