Moçambique: "Apontaram arma contra a cabeça da minha filha"
14 de novembro de 2023O caso de Gamito dos Santos, proeminente ativista de direitos humanos na cidade de Nampula, envolvido na defesa de manifestantes presos nessa província, é um exemplo da realidade de perseguições e intimidações.
Há poucos dias, a sua casa foi invadida por desconhecidos que mantiveram-lhe refém junto com a sua família, chegando a apontar uma arma contra a cabeça da sua filha de sete anos. Também confiscaram os seus meios de trabalho, incluindo telemóveis e o computador.
Mas este não foi o único caso. Ontem (13.11), o MISA-Moçambique manifestou-se preocupado com as ameaças de morte dirigidas ao presidente do Conselho de Administração (PCA) da TV Sucesso, Gabriel Júnior, que usou o seu programa, "Moçambique em Concerto", para queixar-se no último domingo.
Por sua vez, o ativista Gamito dos Santos disse, em entrevista à DW África, que suspeita que o ataque possa estar relacionado com a sua defesa ativa dos jovens recentemente detidos na sequência das manifestações convocadas pela RENAMO.
DW África: Como descreve o momento de invasão à sua casa e o que os agressores pretendiam?
Gamito dos Santos (GS): Naquele dia, os meliantes apareceram na minha casa. Chegaram em média 15 ou 16 pessoas. Quando chegaram, destruíram as grades e entraram. Encontraram-me na sala e me disseram que queriam o meu computador de trabalho. Pediram-me também os telefones e levaram dois telefones meus. Começaram então a me intimidar. Pegaram a minha filha de sete anos e apontaram-lhe uma arma na cabeça.
Depois disseram-me que eu deveria colocar a senha no computador para permitir-lhes acesso. Então, desbloqueei o computador e entreguei-lhes. Minutos depois, eles receberam uma chamada (telefónica) e saíram todos para a varanda. Parecia-me que haviam colocado o telefone em som alto no telefone que usavam e passaram a se comunicar. Presume-se que uma pessoa lhes estava a dar orientações sobre o que [deveriam] fazer comigo.
Naquele instante, percebi que estava entre a vida e a morte. Então tentei lhes desafiar. Peguei o meu filho mais novo, de dois anos, e saltei o muro.
DW África: O que acha que pode estar por trás desse terror que relata ter vidido na semana passada?
GS: Presumo que tenham sido as minhas abordagens nas últimas semanas. Estava a encabeçar o processo de restituição à liberdade de pessoas presas durante as manifestações em Nampula. Além disso, no julgamento desses, eu coordenei toda a ação junto à ordem dos advogados e do Conselho Provincial de Nampula para que eles tivessem assistência jurídica e pudessem ser colocados em liberdade. E conseguimos isso. No primeiro dia julgaram nove pessoas, no segundo 49. Todos foram colocados em liberdade.
No terceiro dia, julgaram 35 pessoas mas todas foram condenadas e cada uma delas teve de pagar o valor de 2.500 meticais [cerca de 36 euros] pela liberdade provisória. Mas naquele instante, eu lhes desafiei e queríamos recorrer desta decisão do Tribunal, mostrando com provas que essa decisão era ilegal e infundada. Então, eu acho que vieram atrás destes elementos todos, e das provas, porque o único ativista em Nampula que tinha toda a informação relacionada às provas era o Gamito. Não havia outra pessoa.
DW África: Sobre a invasão à sua casa, a imprensa em Nampula também escreveu que houve valores monetários saqueados…
GS: Quando [os invasores] voltaram da chamada telefônica que faziam e não me encontram, pediram valores à minha esposa. Ela tinha algum valor guardado, cerca de 12 mil meticais [175 euros]. Do restante material que havia lá dentro, não levaram mais nada. Quer dizer, está claro que não vieram para furtar os bens.
DW África: Em geral, como analisa atualmente o espaço para o exercício de direitos humanos e também o espaço para o trabalho dos ativistas em Moçambique?
GS: Os ativistas estão em perigo. Estamos a viver um momento tenebroso, a situação está complicada. No meu caso, por exemplo, apontaram uma arma contra a cabeça da minha filha. Ela já não consegue ir à escola porque está traumatizada. Isso tudo coloca-me numa situação em que, no meu próprio país, eu tenho medo. Por exemplo, neste momento em que estou a falar, já recebi várias chamadas a me ameaçar. Minha esposa recebeu várias chamadas, avisando-lhe que eu deveria me calar.
DW África: Achas que a situação foi sempre assim, o piorou?
GS: Desde que o Presidente Nyusi tomou o poder, a situação piorou. Ele formou mais polícias do que médicos, enfermeiros e professores. Tudo isso para intimidar o cidadão -Nyusi instrumentaliza a políciapara intimidar o cidadão comum.