Morreu Mário Soares, o pragmático europeísta
7 de janeiro de 2017O histórico dirigente socialista e ex-Presidente de Portugal, Mário Soares, morreu neste sábado (07.01) aos 92 anos no Hospital da Cruz Vermelha de Lisboa, onde permanecia internado desde 13 de dezembro.
Soares, fundador do Partido Socialista português e figura-chave da transição portuguesa, foi presidente de Portugal entre 1986 e 1996 e primeiro-ministro por dois mandatos.
Nascido a 7 de dezembro de 1924, Mário Soares cresceu a respirar política em casa, influenciado pelo pai, ex-ministro das Colónias durante a 1ª República Portuguesa. Soares lutou contra a ditadura fascista de António de Oliveira Salazar. Foi preso 12 vezes pela polícia política, a PIDE. Em 1968, foi deportado para São Tomé.
"Foi no dia do pai, 19 de março. Lembro-me que a minha filha tinha ido a uma loja comprar uma coisa para oferecer ao pai", contou a mulher de Soares, Maria Barroso, à DW África, em 2013. "Quando estávamos na PIDE, o meu marido disse-me a certa altura: 'tens de ter muita coragem. Eu vou para São Tomé, vou deportado para São Tomé.' Para mim, claro, foi um baque monumental, mas contive-me. Não queria dar o espetáculo de fraqueza."
Na viagem para a ilha, com escala em Luanda, Soares foi em primeira classe, para não levantar suspeitas no avião. Pragmático, regalou-se com o jantar a bordo e ainda fumou um charuto - revelou Soares, mais tarde, numa entrevista à jornalista portuguesa Maria João Avillez.
Dois anos depois da deportação para São Tomé, Soares foi forçado ao exílio, em França.
De comunista a socialista
Mário Soares começou por lutar contra o fascismo nas fileiras do Partido Comunista. Depois, afastou-se, inicialmente acossado pela ideia de ter de entrar para a clandestinidade, longe da vida burguesa, a que se acostumara.
A social-democracia europeia estendeu-lhe as mãos.
Em 1973, fundou, com outros dissidentes, o Partido Socialista (PS) português, em Bad Münstereifel, perto de Bona, na Alemanha. Willy Brandt, na altura chanceler alemão, apoiou a criação do partido.
O apoio do social-democrata estendeu-se além da revolução de 25 de Abril, para garantir que o novo Governo português não caía em mãos comunistas: "Os sociais-democratas alemães ajudaram a impedir a criação de uma nova ditadura, uma ditadura comunista", afirmou Brandt no Parlamento alemão, a 8 de abril de 1976.
A descolonização e os retornados
Nessa altura, todas as ex-colónias portuguesas em África já tinham declarado a independência. Soares participou ativamente no processo de descolonização, como ministro dos Negócios Estrangeiros.
Mais uma vez, o pragmatismo de Soares veio à tona na forma como lidou com o processo.
Muitos criticaram que o Governo português tenha negociado principalmente com os movimentos de libertação africanos próximos da União Soviética. À DW África, Mário Soares frisou que "era preciso andar depressa".
"Ou a descolonização era feita a sério ou não. Porque o regime de Salazar não acreditava sequer que isso fosse possível. Depois, com Marcello Caetano, a emenda foi pior que o soneto. Eles não percebiam a importância que tinha a descolonização feita em paz. E, realmente, eu tive dificuldades em vários países europeus. Diziam: "Mas vocês querem fazer a descolonização neste tempo?" Queremos."
Já como primeiro-ministro, em 1976, um dos dossiers que mais ocupou o executivo de Soares foi a reintegração dos 500 mil portugueses que fugiram das ex-colónias, os "retornados".
"Na altura, eu fui condenadíssimo por causa da descolonização", disse Soares à DW África a propósito dos 40 anos de independência dos países africanos lusófonos. "Os retornados nunca perceberam que foi a sorte grande que lhes saiu. Nunca perceberam isso. Vieram para Portugal em condições difíceis, é verdade. Porque se assustaram e fugiram. E nós arranjámos uma solução para lhes dar tudo. Demos-lhe dinheiro, casas… Fomos nós!"
Meter o socialismo na gaveta
Enquanto chefe do Executivo, Soares resolve, mais uma vez, deixar apreciações políticas para depois e enveredar pela via do pragmatismo num país a braços com dificuldades financeiras.
"O povo não come ideologia", disse Mário Soares, que assinou dois resgates com o Fundo Monetário Internacional - um em 1977 e outro em 1983, nessa altura coligado no Bloco Central. Meteu-se "o socialismo na gaveta", outra expressão atribuída ao político português que ganhou fama.
Além de pragmático, o europeísta
No entanto, aproximar o antigo Portugal de Salazar, "orgulhosamente só", ao resto da Europa, mais do que pragmatismo, foi uma ambição de que Mário Soares nunca abdicou.
"Nós temos uma vocação europeia efetiva", afirmou Soares à DW em março de 1977, altura em que Portugal fez o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE).
"Sabemos que as antigas ditaduras fascistas estão a desaparecer na Europa, desapareceu a grega, desapareceu a portuguesa. […] Se Portugal não acompanhasse esse movimento, ficaria isolado, o que significaria que tinha todo o seu futuro de desenvolvimento rápido comprometido."
Oito anos depois, em junho de 1985, o primeiro-ministro Mário Soares assinou o tratado de adesão à CEE, hoje União Europeia.
Em 1986, ano em que Portugal se tornou oficialmente membro da CEE, Mário Soares subiu à cadeira da Presidência. Cinco anos mais tarde, foi reeleito.
A seguir, Soares foi para Estrasburgo, como deputado europeu, e em 2006, aos 81 anos, candidatou-se pela terceira vez à Presidência da República. Porém, ficou em terceiro lugar, conquistando apenas 14,3 por cento dos votos.
Soares disse assumir a derrota com "fair-play democrático e o sentido da responsabilidade".
Tirar o socialismo da gaveta
Desde então, foi-se afastando da vida política ativa. Simultaneamente, tornou-se cada vez mais cáustico nas críticas à política internacional e nacional - particularmente, ao Governo social-democrata português, de Pedro Passos Coelho, e ao Presidente Cavaco Silva.
"Este é um Governo que nos está a destruir completamente e que tem de ser retirado - um Governo e um Presidente que tem tantas responsabilidades como o Governo", disse Soares, em 2013, à DW África.O analista político português José Pacheco Pereira escreveu que o histórico do PS tirou o socialismo da gaveta, onde o colocara há décadas atrás.
Durante a crise económica e financeira que atingiu Portugal, desde 2008, Soares defendeu um boicote aos pagamentos à troika de credores internacionais, um grupo em que se incluía o Fundo Monetário Internacional, a que Soares recorrera em tempos de necessidade, enquanto primeiro-ministro.
"A Argentina teve uma crise dessas e, de repente, disse: não pago! Não se passou nada. Progrediu. Agora, pagar? Para os mercados ganharem e os plutocratas virem receber o dinheiro sem fazerem nada, com juros altíssimos? Isso é aceitável? Não é!"
Nas comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, em 2014, Mário Soares juntou-se aos militares que coordenaram o golpe de Estado que derrubou a ditadura fascista. Comemorou na rua, com os populares. Recusou-se a participar nas cerimónias oficiais na Assembleia da República.
Morreu este sábado (07.01), aos 92 anos de idade, um dos maiores políticos portugueses do século XX - Mário Soares, o pragmático europeísta.