Moçambique: Lei eleitoral "carece de aperfeiçoamento"
27 de maio de 2021O presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, Carlos Matsinhe, defendeu, ontem (26.05), a revisão da lei eleitoral visando tornar a norma "muito mais clara" e a eliminação de "incongruências".
"Se calhar, não é alterar [a lei] no sentido de trazer novas e grandes coisas, mas é no sentido de consolidar e limar as incongruências e tornar a lei muito mais clara, isso seria inevitável", declarou Carlos Matsinhe, em entrevista à agência usa.
Matsinhe - bispo da Igreja Anglicana de Moçambique – assumiu a presidência da Comissão Nacional de Eleições (CNE) há seis meses e foi eleito por organizações da sociedade civil para o cargo, que deve ser ocupado por uma figura independente dos partidos políticos por imposição da lei.
Em entrevista à DW África, esta quinta-feira (27.05), Hermenegildo Mulhovo, membro da Sala da Paz e diretor do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), uma ONG moçambicana que atua no fortalecimento do sistema democrático em Moçambique, também defende o aperfeiçoamento contínuo da legislação eleitoral moçambicana.
DW África: É necessária uma revisão da lei eleitoral, como defende o novo presidente da CNE?
Hermenegildo Mulhovo (HM): A nossa lei eleitoral, de facto, carece de aperfeiçoamento contínuo. Perceba-se que, só dos acordos para o alcance da paz [assinados entre o Governo e o principal partido da oposição moçambicana, a Resistência Nacional Moçambicana], ainda falta alguma revisão da lei para adequá-la ao contexto, justamente porque em 2024 está prevista a eleição de administradores distritais, no âmbito da descentralização.
Por outro lado, análises que já foram feitas sobre a legislação demonstram que há determinados aspetos que só podem ser ultrapassados com algumas mexidas na lei. No entanto, isso depende do nível da revisão a que nos estamos a referir.
DW África: E no seu entender, quais são os maiores problemas nas eleições em Moçambique?
HM: Na nossa perspectiva, o grande problema das eleições no nosso país está na implementação das leis existentes. Acreditamos que com as leis eleitorais que Moçambique tem, quando bem implementadas e cumpridas por todos, é possível ter eleições de qualidade. Mas, o grande problema está nos aspetos comportamentais no cumprimento destas leis. Ai, chamamos a responsabilidade das autoridades de justiça para que façam cumprir a lei.
DW África: No passado, os partidos políticos em Moçambique têm sido acusados de ingerência na CNE? Qual é a sua análise sobre isso?
HM: O problema, para nós, está basicamente no relacionamento ou influência que os partidos políticos têm em relação a CNE, utilizando este grupo como sua porta de entrada. Achamos que são os partidos que tentam exercer muita influência nos órgãos de gestão eleitoral. Se notarmos o princípio de paridade na CNE, com cinco membros vindos da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), Quatro da RENAMO e um do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), até ai pode não ter grandes problemas porque há uma igualdade. Mas, a questão está nos sete membros da sociedade civil. Eles têm muita responsabilidade na qualidade da gestão dos processos eleitorais de forma transparente. E é aqui que achamos que temos que reduzir a influencia que os partidos políticos possam ter.
DW África: Introdução do voto electrónico em Moçambique? Seria uma boa opção ou não?
HM: Não olharia o voto electrónico como solução, porque para as eleições que decorrem num ambiente de desconfiança tal como acontece em Moçambique, o voto electrónico não permite uma auditoria das eleições. Porque a auditoria é feita contrapondo o papel [voto] para validar o resultado. Mesmo nas grandes democracias, o voto electrónico não tem sido assim uma grande solução. O que para nós deve ser electrónico é a contagem dos votos. Porque achamos que no processo de contagem, é ai onde temos tido problemas, por isso que deve ser modernizado e reduzir a mão humana na contagem dos votos e recorrer a maquinarias que possam fazer isso. E seja qual for o resultado, as máquinas são capazes de trazer o resultado mais limpo. O problema está no processo de contagem que tem de ser modernizado.
DW África: Carlos Matsinhe é presidente da CNE há seis meses. Balanço?
HM: É ainda prematuro, porque neste momento a CNE ainda não é muito ativa do ponto de vista de atividade eleitoral. Mas dos contactos que temos dito como IMD, notamos alguma preocupação do novo presidente da CNE em trazer maior abertura do órgão ao diálogo e para acolher as preocupações da sociedade. Mas isso não depende apenas dele, mas sim de todo o elenco do órgão colegial onde as decisões são tomadas. Mas, fomos vendo que existe uma preocupação da parte dele de tornar a CNE cada vez mais aberta ao diálogo e ao cidadão..