Bissau: "Não vamos admitir esta forma de fazer jornalismo"
2 de julho de 2021O Governo da Guiné-Bissau acusou a RTP, RDP África e a SIC de "ingerência" e de "intervenção política". Num comunicado emitido na quinta-feira (01.07), o Executivo responsabilizou as emissoras portuguesas por "parte substancial" da instabilidade política no país. Mas não explica o que motivou esta reação: uma notícia da RDP África sobre um alegado acordo de exploração de petróleo que teria sido assinado em nome do Presidente Umaro Sissoco Embaló.
O porta-voz da Presidência guineense, Cherno Kali Baldé, já disse que se trata de uma "notícia falsa". "A RDP África noticiou que um representante de Sua Excelência o Presidente da República, o general do Exército Umaro Sissoco Embaló, terá assinado um acordo de exploração e extração de petróleo na Guiné-Bissau", afirmou Baldé. "O acordo, segundo a RDP África, teria sido rubricado há três semanas, no Dubai; nos primeiros anos de exploração seria possível extrair desses eventuais jazigos mil milhões de barris de petróleo bruto. A Presidência da República da Guiné-Bissau informa que essa notícia é falsa, maldosa e infundada, visando sobretudo denegrir a imagem do país e do seu chefe de Estado."
Mas o porta-voz do Sindicato de Jornalistas da Guiné-Bissau, Diamantino Lopes, diz que "não era necessário tanto alarido" pois as informações difundidas são "notícias normais".
"Não faria sentido uma reação dessa natureza que, do nosso ponto de vista, consubstancia num atentado à liberdade de imprensa", afirma o responsável em declarações à DW. Para o sindicato, "cabia ao Governo reagir, confirmando ou não a existência de tais factos, porque a pessoa que estava lá, pelas informações, estava a representar as autoridades nacionais. Cabia às autoridades nacionais dizer sim ou não, era muito simples."
Em entrevista exclusiva à DW, o porta-voz do Governo e ministro do Turismo, Fernando Vaz, avisa que a Guiné-Bissau "não vai ficar de braços cruzados" perante esta "forma de fazer jornalismo". Mas assegura que a liberdade de imprensa e de informação na Guiné-Bissau não está em risco e que não há censura no país.
DW África: O que motivou estas acusações do Governo guineense? O que está na origem deste comunicado?
Fernando Vaz (FV): O que está na origem deste comunicado é a falta de rigor e exatidão, é a falta de comprovação dos factos e a ausência sistemática de uma interpretação honesta da realidade pela parte da RTP, RDP e SIC relativamente aos assuntos internos da Guiné-Bissau.
DW África: Está a referir-se no geral ou a uma notícia em particular? O que se sabe é que houve uma empresa da Arábia Saudita que deu uma conferência de imprensa na qual falou sobre a exploração de petróleo na Guiné-Bissau, num acordo que não teria passado pelo Parlamento guineense, e a RDP África fez uma entrevista com essa empresa. Foi este assunto em específico que motivou este comunicado?
FV: Posso pegar como mote esse assunto. Esse assunto não teve a presença de nenhum representante ou membro do Governo, segundo a RTP. Mas se for à imprensa inglesa e árabe vai ver que o assunto foi tratado de uma forma completamente diferente. Houve, portanto, deturpação por parte da RDP daquilo que se passou nesse evento. Mas esse evento aconteceu, segundo me parece (nós não temos informações precisas), entre duas empresas, não envolvendo o Estado da Guiné-Bissau. Portanto, o mínimo que a RDP podia fazer era auscultar o Estado da Guiné-Bissau naquilo que é o princípio básico do contraditório, mas sistematicamente isso não existe na RDP. Tudo o que eles veem nos blogs e em qualquer fonte, sem comprovar os factos, constitui notícia para a RTP, RDP e SIC. Infelizmente tem sido assim ao longo de cinco ou seis anos.
DW África: Este conflito também já não é de agora. Em 2017, o atual Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, na altura primeiro-ministro, suspendeu as emissões da RTP e da RDP África no país, e agora o Governo já avisou que, se for preciso, vai tomar medidas apropriadas e ajustadas. O que é que isto significa?
FV: Naturalmente, quando estão em causa estes comportamentos desrespeitosos e que têm como tónica a prática e um percetivo de injúrias, difamações e calúnias que desonram a nação guineense, a Guiné-Bissau e as autoridades guineenses não podem ficar de braços cruzados. Nós já cruzámos os braços durante muito tempo, mas chega, basta. Atingiu-se o limite do suportável e tolerável.
DW África: E isso pode significar uma nova suspensão destes órgãos em breve?
FV: Não dizemos isso. No comunicado que emitimos ontem avisamos que não vamos admitir e aceitar esta forma de fazer jornalismo e noticiar.
DW África: E estas acusações do Governo guineense de ingerência e intervenção política, a culpar órgãos de comunicação social de causar instabilidade no país, não poderão pôr em risco a liberdade de imprensa e de informação na Guiné-Bissau?
FV: O que põe em causa a liberdade de imprensa e informação na Guiné-Bissau é o facto de não haver um jornalismo sério praticado por estes órgãos de comunicação portugueses. Havendo um jornalismo sério, com rigor, exatidão e a comprovação dos factos, não temos que restringir nenhuma atividade, nem nunca o fizemos. Nós somos pela liberdade de imprensa, sempre a defendemos, desde que dentro destes parâmetros.
DW África: Portanto, não há censura de órgãos de comunicação social na Guiné-Bissau e este é um conflito que pode ser resolvido em breve?
FV: Não há censura. Na própria Guiné-Bissau encontrará, com certeza, várias rádios e jornais a funcionar sem nenhuma censura, muito menos teremos a capacidade de censurar órgãos de informação estrangeiros.