Manifestação marca rejeição à proposta de novo Código Penal em Moçambique
20 de março de 2014
Os manifestantes consideram que o novo projeto de lei fere os direitos das mulheres, das raparigas e das crianças.
O documento foi aprovado já na generalidade pelos parlamentares moçambicanos em Dezembro último e prossegue o debate para a sua aprovação na especialidade.
A manifestação desta quinta-feira (20/3) contou 25 organizações da sociedade civil. Foi realizada uma marcha até o Parlamento, onde os ativistas apresentaram uma petição visando pressionar aquele órgão a não aprovar a atual proposta de revisão do Código Penal.
As ONGs denunciam que alguns artigos do documento são contrários à Constituição da República moçambicana e a convenções internacionais ratificadas pelo país.
Pontos mais críticos
No total, cinco artigos são considerados críticos. Trata, especificamente sobre a violação de menores e os efeitos do casamento.
A Presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, critica a forma com a qual o Código vai abordar os violadores e suas vítimas. O artigo 223 prevê que o autor do crime é absolvido a partir do momento em que assume a culpa e se casa com a vítima.
“O que vai acontecer se um homem casado me violar, vai casar comigo sendo casado? O que vai ser de um pai que viola a sua filha? Como ele vai casar com a sua filha? Estamos a incentivar que as pessoas violem para depois poderem casar, mas eu tenho medo de casar com uma pessoa que eu não quero”, supõe Mabota.
Terezinha da Silva, porta-voz das organizações da sociedade civil, destacou que o artigo 46 fere vários instrumentos jurídicos em vigor no país, como a lei da organização tutelar de crianças e adolescentes, a lei de promoção e proteção dos direitos das crianças e a própria Constituição.
Responsabilização aos 10 anos
"Pretende-se que uma criança de 10 anos possa ser criminalmente responsável. Esta norma viola grosseiramente os direitos das crianças e representa um retrocesso porque atualmente a idade da imputação é 16 anos”, protesta Silva.
A directora-executiva do Fórum das Rádios Comunitárias (FORCOM), Benilde Nhalivilo, destacou algumas interpretações do novo código.
O artigo 217, por exemplo, estabelece que “só é considerada violação a cópula ilícita, deixando de proteger as mulheres casadas violadas pelo marido”.
Nhalivilo considera que o artigo 24 “permite que pais, cônjuges, primos e outros alterem ou desfaçam os vestígios do crime com o propósito de impedir ou prejudicar a investigação”.
Ela também chama a atenção para o artigo 46, sobre a imputabilidade absoluta. O texto estabelece que “que uma criança de 10 anos possa ser criminalmente responsável.”
Parlamento aberto
A presidente do Parlamento, Verónica Macamo, reagiu à apresentação da petição. Ela garante que o legislativo está aberto a considerar as várias contribuições a volta do documento.
“O que está a preocupar a sociedade civil, de forma geral, foram as questões que foram colocadas pelos deputados no plenário. A comissão continua a trabalhar com base nas contribuições.
O “sim” que demos a generalidade foi ao princípio da revisão do Código Penal”, explicou Macamo.
Recorde-se que várias organizações internacionais - como a Aministia Internacional, a Equality Now e a Rede de Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Mulher e da Lei na África Austral - manifestaram solidariedade em relação ao posicionamento das organizações da sociedade civil moçambicanas.
De acordo como presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade do Parlamento, Teodoro Waty, citado na newsletter do Centro de Integridade Pública, os artigos do Código Penal que geraram indignação em Moçambique já tinham sido retirados há mais de um mês, mas ninguém foi avisado.