Mali: Um imã contra o Presidente Keita
15 de julho de 2020Os protestos da oposição contra o Presidente Ibrahim Boubacar Keita trouxeram à tona Mahmoud Dicko, imã de Badalabougou, um bairro do centro da capital maliana, Bamako.
Na semana passada, rumores sobre um eventual rapto do imã deram origem a manifestações violentas. Alguns dos seus apoiantes conseguiram ocupar partes do Parlamento e da emissora estatal na sexta-feira (10.07). As autoridades reprimiram os protestos, que resultaram em pelo menos 11 mortes e dezenas de feridos no sábado (11.07).
O imã Mahmoud Dicko desempenha um papel importante no cenário político do Mali, afirma o sociólogo Brema Ely Dicko em entrevista à DW. "Mahmoud Dicko é um clérigo e um político experiente. Num contexto em que a classe política fracassou e a sociedade civil não está a cumprir seu papel, ele é uma bússola moral", destaca.
Clérigo e político
Mahmoud Dicko é um dos estudiosos islâmicos mais proeminentes do país, que tem uma população muçulmana de pelo menos 95%. Trabalha como imã em Badalabougou há cerca de 40 anos. Como salafista, Dicko normalmente apresenta-se como um defensor de posições fundamentalistas conservadoras.
Durante uma década, Dicko chefiou o Alto Conselho Islâmico do Mali (HCIM) antes de entregar as rédeas a Chérif Ousmane Madani Haidara no ano passado. Durante esse período, Dicko comentou sempre os desenvolvimentos políticos no país.
Em 2012, depois de milícias e tuaregues conquistarem grande parte do Mali, Mahmoud Dicko inicialmente posicionou-se como um claro defensor do então candidato à Presidência Ibrahim Boubacar Keita, que se tornaria Presidente um ano depois.
Ao mesmo tempo, Dicko continuou o diálogo com facções islâmicas, tornando-se efetivamente um mediador na tentativa de estabelecer uma nova unidade nacional.
Mas os planos do Presidente Ibrahim Boubacar Keita não vingaram. A formação do novo Governo arrastou-se por anos e as eleições tiveram de ser adiadas.
Perda de confiança em IBK
Em 2017, Mahmoud Dicko virou as costas ao Presidente. No entanto, o verdadeiro ponto de viragem só ocorreu em junho desse ano, quando a rede de apoiantes de Dicko (CMAS) se uniu ao movimento de 5 de junho (M5) contra o Presidente.
"O movimento de protesto já existia, sempre houve duras críticas e manifestações contra o Governo. Mas desde que o imã Mahmoud Dicko assumiu a liderança religiosa aqui, o movimento foi capaz de desenvolver a força que vemos hoje", lembra Thomas Schiller, diretor da fundação alemã Konrad-Adenauer em Bamako.
A mensagem do movimento é clara: o Presidente perdeu a confiança do povo e deve lidar com as consequências. "O nosso país está a fracassar. Não o podemos negar. E a pessoa responsável por isso é nosso chefe de Governo. É preciso criar uma estrutura onde possa haver esperança. É disso que as pessoas precisam hoje", disse Mahmoud Dicko, numa entrevista à emissora alemã ARD.
Absolvição moral
Entre os seus seguidores, Dicko é considerado um homem modesto, de convicções e sem ambições a cargos políticos. O imã Oumarou Diarra, que faz parte da coligação CMAS, afirma que "cada vez que o país está sob ameaça de má governança", Mahmoud Dicko "não hesita em falar em defesa da verdade e da mudança".
Dicko parece estar a agir com moderação. Há relatos de que, em comícios anteriores, o imã ordenou que o povo mostrasse contenção, evitando que uma multidão se reunisse do lado de fora do palácio presidencial. E após os confrontos violentos da semana passada, Mahmoud Dicko também pediu calma e contenção.
Mas há também um outro lado de Mahmoud Dicko que gera receios. Nos últimos anos, o imã tornou-se manchete por causa de algumas declarações reacionárias, declarando ataques terroristas como "castigo de Deus" pelo consumo de álcool e pela homossexualidade.
Afirmações que lançam uma luz diferente sobre o imã Mahmoud Dicko, a auto-proclamada autoridade moral do Mali. Thomas Schiller, da fundação Konrad-Adenauer, diz que alguns observadores estão preocupados com a ascensão do imã, que muitos classificam como islamista. O país está numa encruzilhada, conclui: "Para o Mali, esse movimento de protesto desde sexta-feira foi um desastre."
O Governo não consegue controlar grandes partes do país, especialmente no norte e no centro do Mali, com os recentes protestos a destacarem também como o sul do país pode ser facilmente prejudicado.
"Neste momento, o Mali não tem realmente estruturas governamentais para direcionar esse movimento e absorvê-lo politicamente. O Governo é muito fraco, e o movimento de protesto enfraquecerá ainda mais as estruturas rudimentares existentes no país", alerta Schiller.