"Luta de galos" na UNITA pode ter implicações eleitorais
21 de agosto de 2024A apresentação pública da Fundação Jonas Malheiro Savimbi, na terça-feira (20.08), em Luanda, ficou marcada pela ausência do líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior, e de outros dirigentes do partido.
Em entrevista à DW, o analista Osvaldo Mboco considera que houve uma demarcação por parte de altas figuras do principal partido da oposição, uma vez que há quem defenda que a nova organização poderá ser utilizada para fins políticos e como "arma de arremesso" para "fins inconfessos".
Isaías Samakuva, presidente do conselho dos curadores da fundação, também disse aos jornalistas, após a apresentação pública da nova organização, que há quem não queira reconhecer o papel de Jonas Savimbi em Angola, se calhar até na própria UNITA. Declarações polémicas do ex-líder da UNITA que o académico angolano classifica como mero "discurso político".
DW África: Na apresentação pública da Fundação Jonas Malheiro Savimbi, na terça-feira (20.08), estiveram ausentes os principais dirigentes da UNITA, nomeadamente o atual presidente Adalberto Costa Júnior, o líder do grupo parlamentar, Liberty Chiaka, e outros representantes das organizações do partido. A seu ver, o que significa esta ausência?
Osvaldo Mboco (OM): Temos aqui duas ilações que podemos tirar no meio de tudo isto. Primeiro, há uma demarcação por parte de altas figuras da UNITA em função das discussões que houve no passado, em que a direção da UNITA entendeu que esta fundação poderá ser utilizada para fins políticos. Uma outra ilação que podemos tirar é que poderia ser possível que estivessem ocupados com outras atividades, mas penso que esta última visão não é a mais verdadeira, porque estamos a falar do líder fundador do próprio partido. O engenheiro Adalberto Costa Júnior, quando se pronunciou sobre esta fundação, mostrou um certo receio e algumas reservas. E depois também há várias entrevistas que Isaías Samakuva foi dando, em que mostrava que há um clima de crispação entre a liderança cessante de Isaías Samakuva e a atual liderança do partido, do engenheiro Adalberto Costa Júnior.
DW África: Acha que esta crispação poderá beneficiar o MPLA, o partido no poder, e também o Presidente João Lourenço, que agora tem mostrado que mantém uma proximidade com Isaías Samakuva, por exemplo?
OM: Isaías Samakuva é uma figura incontornável na reorganização da UNITA num período pós-guerra, sem sombra de dúvida, e conseguiu fazer com que a UNITA não ficasse dividida. As crises internas no seio de um partido como a UNITA podem ter implicações no processo eleitoral de 2027.
A UNITA poderá enfrentar uma crise interna profunda, não simplesmente pela provável crispação que existe entre Isaías Samakuva e Adalberto Costa Júnior, mas muito pela Frente Patriótica Unida (FPU). Porquê? Porque a constituição da FPU, que foi a junção do Bloco Democrático e do projeto político PRA-JA Servir Angola, fez com que muitos militantes de proa da UNITA não constassem na lista de deputados em posição elegível, porque teve que se negociar a entrada de outras figuras. E se, em 2027, o engenheiro Adalberto avançar com o mesmo formato, ele pode viver uma situação de contestação interna quanto a esta questão.
E há mais: o Bloco Democrático não participou das eleições passadas, porque a FPU não é propriamente uma coligação de partidos, é um arranjo político, e a lei eleitoral de Angola nota que um partido político que não participa duas vezes consecutivas nas eleições é extinto. Logo, se o Bloco Democrático não participar nas eleições, ou por coligação ou de forma isolada, vai correr o risco de ser extinto. E não me parece que é a intenção da UNITA concorrer às eleições de 2027 no formato de coligação política.
Voltando à pergunta inicial, claramente que as crises internas no partido fragilizam a ação externa do partido na competição política, e estamos a falar de duas figuras extremamente importantes, pois embora recentemente tenha havido um encontro entre o doutor Samakuva e o presidente Adalberto, a mostrarem que não há qualquer crispação, o discurso político que ambos fizeram no passado dá-nos nota que há uma crispação entre os dois. Samakuva dizia que não concordava com a FPU, com o seu formato, e o presidente Adalberto mostrava alguma reserva na criação da Fundação Jonas Savimbi.
DW África: Porque também há quem diga que esta Fundação Jonas Savimbi pode ser usada como arma de arremesso, sobretudo contra Adalberto Costa Júnior, de forma a reduzir o protagonismo que tem na UNITA. E também há quem especule que a fundação é um passo para a criação de um novo partido em Angola, apesar de Isaías Samakuva o negar...
OM: Acho pouco provável que seja um passo para a criação de um novo partido em Angola. E também acho pouco provável uma nova liderança de Samakuva. O doutor Samakuva já tem uma certa idade e tem capital político, mas não reúne assim tanto capital político para criar um novo partido político e dirigir esse mesmo partido e ter grandes resultados. Claramente que ainda tem muitos apoiantes, mas não teria grande expressão. E se isso acontecer, pode criar dispersão de votos da UNITA, porque ainda há uma ala que acredita em Samakuva, que reconhece a sua liderança e o apoia. Mas não será muito expressivo e não será bom para o fim político de Samakuva ficar na História como alguém que traiu os ideais do seu partido e fez uma fuga para frente para criar instabilidade.
Agora, há um discurso na direção de servir de arma de arremesso. E esse discurso é o discurso também que o próprio engenheiro Adalberto faz, que a fundação pode ser usada como instrumento político para fins inconfessos. Logo, demonstra claramente o que se está a passar nos bastidores da política a nível interno do próprio partido.
DW África: Portanto, quando se diz que esta Fundação Jonas Savimbi é uma fundação sem fins politico-partidários, acredita nisso?
OM: Bem, eu faço fé nas instituições, nas palavras dos líderes, até que nos provem o contrário ou até que nos deem sinais diferentes. Porque nós temos algumas fundações em Angola que não têm servido para fins políticos, nomeadamente a Fundação Doutor António Agostinho Neto, a Fundação Bornito de Sousa, a própria FESA do Presidente Eduardo dos Santos. Então, todos esses elementos também nos fazem crer que esta fundação realmente terá os fins para os quais foi criada.
DW África: Isaías Samakuva disse na apresentação da Fundação que há quem queira apagar ou ignorar o papel histórico de Jonas Savimbi em Angola e que o Presidente João Lourenço tomou uma decisão patriótica ao permitir a criação desta fundação. Como é que interpreta estas declarações?
OM: Eu penso que é um discurso político e não penso que, no seio da UNITA, exista alguém que queira apagar o legado de Savimbi, porque há um projeto que eu penso que a UNITA tem estado a fazer, que é a reabilitação da imagem de Savimbi. Hoje, quando se fala de Savimbi, já não se fala com as reservas que se tinha no passado, como o indivíduo que ficou do lado errado da História. Já há um segmento que olha para Savimbi como um patriota. Então, não me parece que exista aqui alguma intenção no seio da UNITA, da atual direção, de apagar o legado de Savimbi, porque eles têm estado a fazer um trabalho de reabilitação política da sua imagem.
Mas claramente que devo subscrever quando Samakuva diz que o Presidente João Lourenço tomou uma posição corajosa e patriótica, apesar de eu também defender que não era necessário que a UNITA ou Isaías Samakuva recorressem ao Presidente, porque as instituições angolanas devem funcionar. É uma fundação e poderia tratar isso simplesmente ao nível do órgão estatal que tem a competência para fazê-lo, que é o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.