A autobiografia de Karamba Diaby
23 de novembro de 2016Para Karamba Diaby foi uma sorte os alemães gostarem tanto de ter as suas pequenas hortas e jardins. Para a sua tese de doutoramento na década de 90 do século passado, o estudante originário do Senegal investigou o grau de poluição dos vegetais nos jardins da cidade de Halle, no leste da Alemanha. Durante oito meses plantou e colheu couve-rábano, alho-porro e aipo, e examinou o solo dos jardins. E aproveitou para conversar com os jardineiros amadores.
"Estes encontros ajudaram-me a perceber melhor a sociedade”, disse Diaby quando apresentou, em Berlim, a sua biografia. Na altura conheceu engenheiros, enfermeiras, desempregados e reformados. Criou muitas amizades, não só no meio da jardinagem amadora. O político social-democrata, que tem 54 anos, já vive em Halle há 30.
A gratidão como lema
No seu livro "Com Karamba no Bundestag. O meu caminho do Senegal para o Parlamento alemão”, Diaby conta como o órfão africano foi eleito deputado na Alemanha. "Decidi escrever este livro, porque muitas pessoas me encorajaram a fazê-lo quando lhes contei a história da minha vida”, disse o político à DW.
E não há dúvida que Diaby é um exímio contador de histórias. Várias vezes pôs a rir o público que encheu a sala na apresentação em Berlim, fosse por causa das suas primeiras experiências com a ordem alemã ("No começo tive as minhas dificuldades”) ou ao elogiar a lei de jardinagem amadora na Alemanha ("Se todos respeitarem as regras, todos se divertem”).
Mas a vida de Diaby também já foi muito dura. Cresceu no Senegal órfão dos dois pais. Conseguiu ganhar o suficiente para concluir o ensino secundário. Mas na universidade começou a faltar-lhe o dinheiro. A solução foi concorrer a uma bolsa de estudos no estrangeiro. Em 1985 foi para a extinta República Democrática Alemã (RDA), onde estudou química.
A palavra que mais frequentemente repete quando conta a sua vida é gratidão: "Estou grato por ter estudado apesar de não ter pais e por me terem dado a garantia de uma bolsa de seis anos”, diz Diaby ao contar a sua nova vida na Alemanha do Leste. E também teve sorte na vida privada: apaixonou-se por uma colega da faculdade, com quem é casado até hoje.
Experiência com o racismo
O livro também abre uma janela sobre uma parte da História contemporânea alemã. A reunificação em 1990 foi uma cisão na vida de Diaby. Com a extinção da RDA também desapareceu a sua bolsa. Finalmente a Agência Alemã de Intercâmbio Académico (DAAD) assumiu os pagamentos. Mais um motivo de gratidão, diz.
No entanto, nos anos 90, Diaby também aprendeu o que é o desemprego maciço. Apesar de concluir com êxito a tese de doutoramento, não consegue encontrar trabalho. É alvo de ataques de extremistas da direita nos transportes públicos. Por sorte só lhe partem os óculos, diz.
No livro o político também fala sem papas na língua sobre o racismo corriqueiro. Conta que até no Parlamento já teve essa experiência desagradável. Por exemplo, quando a empregada na caixa da cantina não quis acreditar que ele era deputado no seu primeiro dia de trabalho no Bundestag.
Uma história para dar coragem
"Eu rio-me. Mas imagine quantas pessoas têm experiências parecidas na nossa sociedade, e não têm os mesmos privilégios que eu: o privilégio de dominar o idioma e estar numa posição em que me posso defender. As muitas centenas de milhares de refugiados que passaram pelo mesmo na estação de caminhos-de-ferro não têm esse privilégio”.
Em tempos Diaby falava menos abertamente do racismo na Alemanha com jornalistas. Por exemplo, quando se candidatou pela primeira vez ao Parlamento federal em 2013. O livro será o sinal para uma mudança de posição? Fruto, talvez, do aumento do racismo na Alemanha?
Não, diz Diaby, e pela primeira vez recorre ao discurso político que felizmente soube evitar no livro: "Em entrevistas dessas nunca se consegue explicar de forma coerente o contexto. O livro tem a vantagem de expor o problema sob um ponto de vista global”, explica o deputado.
Não obstante as experiências mais amargas, o livro de Karamba Diaby e da sua co-autora, Eva Sudholt, conta uma história pensada para dar coragem: "Quero dizer aos mais jovens: a vida não decorre em linha recta. As desilusões são constantes. Mas tudo depende de nós. Não se pode baixar os braços. É preciso erguer a cabeça e aceitar o próximo desafio”, diz Diaby.