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João Lourenço: "Favores" em troca de carros de luxo?

15 de fevereiro de 2023

Oferta de viaturas de 200 mil dólares a 45 conselheiros é "clientelismo" do Presidente, diz o diretor-executivo da ONG Friends of Angola. E além do "abuso do erário público", há indícios de corrupção, acrescenta.

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Presidente angolano, João Lourenço
Foto: Getty Images/M. Spatari

Rejeitaria uma "regalia" de 200 mil dólares? No caso, uma viatura de luxo Toyota VXR Twin Turbo? É isso que o Presidente de Angola, João Lourenço, pretende conceder a cada um dos 45 membros do Conselho Económico e Social (CES).

Feitas as contas, as mais de quatro dezenas de viaturas de luxo deverão custar aos cofres do Estado cerca de 9 milhões de dólares (8,4 milhões de euros), num país onde o salário mínimo não ultrapassa os 60 dólares (56 euros). 

A medida, que está a gerar polémica nos meios de comunicação angolanos e nas redes sociais, consta de um decreto presidencial de 6 de fevereiro, que estabelece um novo regulamento do CES. Com o decreto, o Presidente da República pode atribuir regalias aos membros do CES que sejam "compatíveis com a função", embora os membros do Conselho Económico e Social continuem a não ser remunerados. 

Em entrevista à DW África, o diretor-executivo da organização Friends of Angola, Florindo Chivucute, acusa o Presidente João Lourenço de estar a "comprar favores" aos seus conselheiros, depois de ter denunciado políticas semelhantes do seu antecessor, José Eduardo dos Santos.

"Além do abuso do erário público", o diretor da ONG refere ainda que há indícios de corrupção, dado o preço a que foram adquiridas as viaturas - que diferem do preço habitual do modelo em causa.

DW África: Justifica-se esta decisão do Governo angolano?

Florindo Chivucute (FC): Não se justifica, de maneira alguma. Não apenas pelo facto de termos um salário mísero para os funcionários públicos, mas também porque estamos a viver uma crise económica que já se vem arrastando desde 2014 ou 2015 - depende da pessoa a quem perguntar - e isso está visível. Estou neste preciso momento em Luanda, percorro as províncias, e as pessoas, jovens, crianças, adultos andam no lixo à procura de algo para comer. A pobreza extrema está visível a todos.

Florindo Chivucute | CEO Friends of Angola
Florindo Chivucute: "O Presidente João Lourenço está a usar um método bastante conhecido, o clientelismo"Foto: Privat

DW África: O anterior regimento interno não previa qualquer regalia aos conselheiros. O que estará por trás desta recente mudança?

FC: A política. O Presidente João Lourenço está a usar um método bastante conhecido, o clientelismo, para poder comprar favores a esses conselheiros, para que estejam do lado dele. Foi assim que o ex-Presidente [José Eduardo] dos Santos desgovernou o país durante décadas e o próprio Presidente Lourenço, quando chegou ao poder, fez questão de lembrar essas políticas aos angolanos e ao mundo. Passados alguns anos, acaba por fazer o mesmo.

Estamos com dívidas extremamente altas, somos o maior devedor para com a China no continente africano e estamos a pagar com petróleo. Não se compreende como é que o Presidente João Lourenço chegou a esta conclusão de que temos de comprar carros que custam 200.000 dólares. E o preço do carro também é discutível: se forem à Internet procurar um carro deste modelo, na verdade não custa mais de 100.000 dólares. Para além do abuso do dinheiro do erário público, também é provável, segundo a investigação que fizemos e continuamos a fazer, que esses carros não custem 200.000 dólares.

Angola Präsident Joao Lourenco
A polémica com os carros não é inédita: Em 2017, Angola encomendou 25 viaturas de luxo para a tomada de posse de João LourençoFoto: Getty Images/A.Rogerio

DW África: Ou seja, vê aqui indícios de corrupção que devem ser investigados mais a fundo...

FC: Sem sombra de dúvidas. Nós tomámos nota do decreto presidencial 33/23, de 6 de fevereiro, que autorizou a compra desses Toyota VXR Twin Turbo, mas o valor não bate certo.

DW África: Que interesses teria João Lourenço nesses benefícios aos membros do Conselho Económico e Social?

FC: Praticamente, serão 45 conselheiros a "dançar a música" do Presidente João Lourenço, como se diz na gíria.

DW África: Algumas fontes indicam que dois dos conselheiros já disseram que não aceitariam essa "gentileza". Acredita que os restantes sigam esta tendência?

FC: Tenho dúvidas, só o tempo dirá. Mas penso que qualquer ser humano com um certo compasso moral teria peso na consciência ao aceitar este tipo de benefícios num país onde todos os dias estão a morrer angolanos e angolanas pelo simples facto de não termos medicamentos; onde o desemprego é extremamente alto, sobretudo entre os jovens; um país que tem dívidas muito grandes; um país sem poder construir novas escolas, para mais de 4.000 crianças poderem ter acesso ao ensino primário. Não faz sentido nenhum, num país onde estamos constantemente a pedir empréstimos ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial.

Tainã Mansani Jornalista multimédia
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