Isabel dos Santos investe "dinheiro desviado" no Brasil.
24 de janeiro de 2020A angolana Isabel dos Santos aproveitou-se da facilidade de mover o dinheiro desviado para paraísos fiscais para investir no setor imobiliário no Brasil e manter uma parte da sua fortuna espalhada em países que também passam por problemas graves com a corrupção. Segundo economistas, essa é uma prática comum de tornar o dinheiro "limpo" fora do país e contando com as dificuldades em rastrear o dinheiro.
Nos últimos meses, a mulher mais rica do continente africano, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, está cercada por uma série de escândalos e acusações como fraudes, desvio de fundos públicos e lavagem de dinheiro.
Brasil palco da lavagem de dinheiro Isabel?
Com a divulgação dos documentos vazados pelo "Luanda Leaks”, através de um relatório elaborado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), ficou explícito a remessa de dinheiro desviado de Angola para outros países, entre eles, o Brasil.
Através da criação de pequenas empresas para administração de remessas monetárias enviadas à paraísos fiscais em ilhas caribenhas, Isabel dos Santos passou a enviar dinheiro para vários países e fazer investimentos com o intuito de tornar os valores lícitos.
Segundo a Agência Pública,o dinheiro angolano também foi investido na construção do empreendimento Solar Tambaú - um condomínio com 130 apartamentos à beira-mar na praia de João Pessoa, o metro quadrado mais caro da Paraíba, Estado no litoral nordeste brasileiro. O investimento foi de mais de 4 milhões de euros, que tornaram a edificação uma das mais luxuosas da região.
A Agência Pública, que teve acesso aos documentos sobre a investigação realizada pela Polícia Federal brasileira sobre o angolano José Carlos Paiva Costa, concluiu que "a complexa trama de ocultação de moedas e património, operada por meio de uma série de empresas em paraísos fiscais, envolveria também a empresária.
Canais para legalizar o crime
Segundo o economista brasileiro José Guilherme Silva Vieira, investigar o dinheiro da origem ao destino é muito difícil, por isso, é a forma mais fácil de esconder os crimes cometidos.
"Coloca intermediários para fazer com que fique difícil o acompanhamento por todas as autoridades da origem do recurso e do fim do recurso e, para isso, você utiliza terceiros ou quartos países, então um acompanhamento de ponta a ponta fica complicado", afirma o economista brasileiro.
Nas palavras de José Guilherme Viera, Isabel dos Santos escolheu a via mais fácil para aplicar o dinheiro desviado no Brasil, já que o país está aberto à investimentos estrangeiros que fomentem o setor da construção civil, principalmente em tempos de crise e corrupção que vive.
Utilizar construção civil para branqueamento de capitais
"Sempre se soube de lavagem de dinheiro na área da construção civil, porque é muito complicado controlar os custos de uma obra, pela complexidade tanto dos orçamentos, quanto da evolução dos preços e das atividades que são empreendidas lá. Então, uma maneira fácil de lavar o dinheiro é construir um prédio e declarar valores diferentes do que foram efetivamente gastos".
Para o economista José Guilherme Viera, a escolha pelo mercado imobiliário no Brasil está ligada não somente aos investimentos que tornam a transação lucrativa, quanto ao acúmulo de bens lícitos em outros países. "Não é interessante também para quem comete crimes internacionais ou para quem tem dinheiro desviado de algum país voltar, ter o dinheiro de volta naquele país. As vezes é simplesmente interessante ter propriedades espalhadas pelo mundo, ter recursos espalhados pelo mundo e sequer repatriar esses recursos".
O especialista brasileiro prossegue que a Isabel dos Santos apostou na maneira mais clássica de lavar dinheiro e tornar a sua fortuna lícita em outros países: "Quando faz essa limpeza [do dinheiro], torna-o legal, presume que vai perder dinheiro. Então você gasta por exemplo, 30 milhões de reais para construir alguma coisa, e declara que utilizou 20 milhões com fontes legais que você consegue criar, e aí vende por outro preço. Não necessariamente vai criar lucros, como também pode vender com prejuízos mesmo. Então quando vende essa propriedade, aí tem o dinheiro limpo".
É preciso apertar mais o cerco
Para outro economista, o angolano Carlos Rosado, essa é a forma mais tradicional da corrupção: "Os corruptos arranjam sempre uma maneira de escapar da justiça e nomeadamente com recursos aos paraísos fiscais. A criminalidade é muito complexa, os crimes de colarinho branco são muito complicados e, portanto, nem sempre imagino que os nossos [alcancem resultados]", disse à DW África.
O combate a corrupção em todos os países é uma ação complexa. O acordo firmado na Basileia, na Suíça, em 1988, balizou as legislações bancárias pelo mundo inteiro e está a ser praticado por vários países, entre eles Angola, na busca pelo combate à corrupção, como explica ainda o Rosado.
"Um progresso concreto no combate do branqueamento de capitais e do financiamento, uma nova lei. O Banco Nacional da Angola também tem estado a apertar em termos de normas, em termos de regras. E, portanto, tudo isso pode ajudar ao combate ao branqueamento de capitais e através de cooperação internacional com os bancos".
Apesar da milionária se defender das acusações, ao longo dos 38 anos de mandado presidencial do seu pai em Angola, muitos negócios foram facilitados e a origem das empresas está a ser questionada pelo Governo angolano, o que resultará num processo judicial que pode colocar a limpo todas as questões que envolvem a fortuna de Isabel dos Santos.