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Intercâmbios podem aproximar África lusófona da Alemanha

Daniel Pinto Lopes15 de maio de 2013

Estudantes e jornalistas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique ou São Tomé e Príncipe podem estudar ou trabalhar na Alemanha. Há a possibilidade de estudantes alemães passarem uma temporada num destes países.

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Estudantes alemães e africanosFoto: picture alliance/dpa

A possibilidade existe, mas são poucas as candidaturas dos países africanos em que o português é a língua oficial. Qual será a razão ou as razões explicativas para o reduzido número de interessados?

Criada em 1982, a Fundação Heinz Kühn é uma entidade do estado da Renânia do Norte-Vestefália, na Alemanha. No ano passado, esta fundação atribuiu cinco bolsas – duas para África, duas para o Brasil e uma para a Mongólia. Por ano, a Fundação costuma atribuir entre cinco a sete bolsas para jovens jornalistas estrangeiros, mas, até hoje, ainda não houve candidaturas por parte de jornalistas da África lusófona.

À DW África, a responsável pela Heinz-Kühn-Stiftung, Ute Maria Kilian, diz que a língua alemã pode ser um obstáculo.

“No momento em que fazem a candidatura, os interessados têm de ter conhecimentos básicos da língua alemã. Talvez este aspeto possa fazer um pouco a diferença”, considera Ute Maria Kilian.

A responsável pela Fundação Heinz Kühn adianta ainda que os bolseiros, estando já na Alemanha, terão “a oportunidade de aperfeiçoar o alemão” e de estar em “contacto directo” com a cultura e estilo de vida alemães. Os bolseiros podem também conhecer a história e a política da Alemanha.

“Facilidade” em obter o visto

Ute Maria Kilian afiança que o processo de obtenção do visto para trabalhar na Alemanha não pode ser considerado um impedimento.

“Normalmente, os bolseiros estão na Alemanha durante três meses, máximo quatro meses. Por exemplo, se a bolsa for de três meses podem ir à embaixada no seu país com o nosso convite oficial e com a confirmação de que são nossos bolseiros e não terão problemas em obter o visto”, avança.

Os estudantes da África lusófona são bem-vindos à Alemanha, diz Maria Killian, da Fundação Heinz Kühn
Os estudantes da África lusófona são bem-vindos à Alemanha, diz Maria Killian, da Fundação Heinz KühnFoto: Fotolia/Africa Studio

“Portas abertas” para a África lusófona

Apesar de a Fundação Heinz Kühn ainda não ter recebido candidaturas de jornalistas da África lusófona, Ute Maria Kilian garante que a fundação que representa está “bastante recetiva”.

“Se um dia tivermos um bolseiro de, por exemplo, de Moçambique ou de Cabo Verde, será certamente bem-sucedido. Assim que regressasse ao país de origem iria falar com os seus colegas e poderia ser o começo de algo”, conta à DW África.

Outra instituição que permite o intercâmbio entre a Alemanha e outros países, como os da África lusófona, é o DAAD, o serviço alemão de intercâmbio académico. Financiado pelo ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo ministério da Educação e Investigação da Alemanha e por outras instituições, o DAAD oferece bolsas a cidadãos alemães interessados em estudar fora do país e dá também a possibilidade de estudantes de outros países continuarem os estudos na Alemanha.

São poucas as candidaturas de estudantes da África lusófona ao programa de bolsas do DAAD
São poucas as candidaturas de estudantes da África lusófona ao programa de bolsas do DAADFoto: FARS

Número “residual” de bolsas

Em 2012, o DAAD atribuiu cerca de 45.200 bolsas a estudantes estrangeiros. Ora, deste número total de bolsas, cerca de 4.200 destinaram-se a estudantes do continente africano. Deste número de bolsas, duas foram atribuídas a estudantes angolanos, uma a um estudante cabo-verdiano e 33 a estudantes moçambicanos. São “números residuais”, considera o responsável pelo departamento de África Oriental e Austral (Meridional) do DAAD em entrevista à DW África.

Cay Etzold, afirma que as “poucas parcerias e projectos” com as universidades dos países africanos onde se fala o português e a “dificuldade” da língua alemã podem ser obstáculos explicativos para o baixo número de bolsas concedidas aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Porém, adianta um outro fator .“O problema é quando os interessados recebem uma resposta negativa. Nestes casos, devem voltar a tentar, mas, na maioria das vezes, são muito orgulhosos para o fazer”, explica Cay Etzold.

O responsável frisa que o candidato a uma bolsa do DAAD “tem de procurar um professor que o oriente e faça a supervisão de todo o processo, para ser melhor sucedido”.

O serviço alemão de intercâmbio académico – o DAAD – facilita os processos de burocracia para atribuir uma bolsa, desde apoiar estudantes para encontrar um plano de estudos à forma de como chegar à Alemanha.

Mão-de-obra qualificada é uma necessidade da Alemanha, hoje em dia
Mão-de-obra qualificada é uma necessidade da Alemanha, hoje em diaFoto: Fotolia/Creativa

As necessidades da Alemanha nos tempos atuais

A economia alemã precisa de mão-de-obra qualificada. Por isso, o DAAD quer atrair mais estudantes estrangeiros. Até 2020 deverão chegar à Alemanha cerca de 350.000 estudantes estrangeiros, mais 100.000 do que actualmente. Cay Etzold afirma que vai haver uma “forte campanha” a nível global, mas não vai ser centrada apenas nos países africanos ou nos PALOP.

A problemática na equivalência dos estudos

As equivalências entre as universidades alemãs e as universidades estrangeiras fora da Europa podem ser uma dor de cabeça para os estudantes, mas Cay Etzold espera que a situação possa mudar no futuro.

“O problema pode residir no facto de as universidades [alemãs] não conhecerem, por exemplo, o conteúdo de estudos da Universidade Agostinho Neto, em Angola, ou da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. Quando as universidades e os professores conhecerem melhor este aspeto, podem reconhecer os estudos anteriores. Os alunos dos PALOP que estudaram na Alemanha podem também convidar os professores alemães para dar aulas nas suas universidades, a fim de reconhecerem os estudos”, afiança.

As estatísticas dão ainda outros dados: há cada vez mais estudantes alemães a estudar na África lusófona. Cay Etzold considera que estão “cada vez mais interessados” nos desenvolvimentos dos países lusófonos.

O bolseiro moçambicano critica os estudantes que não fazem um esforço de leitura e guiam-se apenas pelos apontamentos do professor
O bolseiro moçambicano critica os estudantes que não fazem um esforço de leitura e guiam-se apenas pelos apontamentos do professorFoto: picture-alliance/dpa

A perspetiva de um bolseiro moçambicano na Alemanha

A DW África falou com um bolseiro moçambicano, que está a estudar na Universidade Humboldt de Berlim, ao abrigo do programa de bolsas do DAAD. Amílcar Pereira é professor na Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, e está agora a fazer o Doutoramento na capital alemã. O projecto de Amílcar Pereira está centrado na gestão da água, com foco na sustentabilidade e equidade no acesso à água para pequenos produtores e utiliza como estudo de caso um projecto de rega no Chokwe, Moçambique.

A preparação de uma "boa proposta" é caminho andado para obter uma bolsa
A preparação de uma "boa proposta" é caminho andado para obter uma bolsaFoto: picture-alliance/dpa

“Não basta apenas enviar um simples e-mail”

Antes de formalizar o pedido de uma bolsa ao DAAD, Amílcar Pereira entrou previamente em contacto com a Universidade Humboldt de Berlim. Uma “proposta bem estruturada” sobre o tema em que se pretende desenvolver um estudo de ensino superior, seja mestrado ou doutoramento, é “meio caminho andado” para se ser bem-sucedido e ser bem recebido pelo professor ou professores de uma universidade alemã. Amílcar Pereira diz que “não basta apenas enviar um e-mail a pedir para fazer um mestrado ou um doutoramento”.

A língua alemã pode ser um impedimento para que os estudantes da África lusófona se candidatem a uma bolsa na Alemanha, mas o doutoramento de Amílcar Pereira na Universidade Humboldt de Berlim é lecionado em língua inglesa, um facto que “pode ser do desconhecimento de muitos”, afiança o bolseiro.

Amílcar Pereira afirma que o sistema de ensino alemão apresenta “muitas semelhanças" com o sistema de ensino moçambicano, mas, apesar disso, acha que alguns aspetos no sistema de ensino de Moçambique devem ser melhorados.

“Muitos estudantes terminam a licenciatura sem nunca utilizarem a Internet para, por exemplo, acederem a uma revista científica online ou descarregarem um artigo. Há ainda a tendência de muitos estudantes de licenciatura ou de mestrado não fazerem muito esforço de leitura e estudarem apenas pelos apontamentos do professor”, critica.

Amílcar Pereira considera que os estudantes já não chegam “tão bem preparados” à universidade e dá o exemplo da situação na Universidade Mondlane, em Maputo. "Há sete anos, a instituição figurava no número 24 do ‘ranking’ de 100 universidades africanas classificadas e, em menos de cinco anos, caiu para o número 48”, recorda.

Amílcar Pereira está a estudar na Universidade Humboldt, em Berlim, ao abrigo das bolsas atribuídas pelo DAAD
Amílcar Pereira está a estudar na Universidade Humboldt, em Berlim, ao abrigo das bolsas atribuídas pelo DAADFoto: Heike Zappe/CC NY-NC-ND 3.0

Uma “boa experiência” em Berlim

Na capital alemã, o bolseiro moçambicano garante ter encontrado um bom ambiente de trabalho na Universidade Humboldt e afirma estar bem apoiado pelo departamento internacional desta instituição de ensino superior, o que “facilita a integração”.

Depois de terminar o doutoramento na Alemanha, Amílcar Pereira pretende regressar a Moçambique, para continuar o trabalho na Universidade Eduardo Mondlane, mas já com “uma nova rede de contactos” e uma nova experiência no currículo.

Intercâmbios podem aproximar África lusófona da Alemanha