Imprensa alemã destaca impasse na RDC e Kilamba, em Angola
Esta semana, uma esmagadora maioria de artigos publicados na imprensa alemã deu destaque à situação no leste da República Democrática do Congo (RDC). Os rebeldes do Movimento 23 de Março, ou M23, anunciaram na terça-feira (27.11) a retirada de Goma, capital da província de Kivu Norte, que haviam tomado na semana passada.
Segundo agências noticiosas, a polícia chega pouco a pouco em Goma, cidade de milhões de habitantes, para organizar a retirada anunciada.
Entre os jornais alemães, destaque para o título do diário Neues Deutschland, com sede no antigo leste do país europeu: "O regime de Kabila [presidente da RDC] está desacreditado". O jornal, que se autodefine como "socialista", explica em artigo publicado na quarta-feira (28.11) que "o ultimato da Conferência Internacional dos Grandes Lagos de África expirou" no início da semana - havia ameaça de intervenção militar regional caso os rebeldes não saíssem de Goma.
"Mas, [antes da reunião extraordinária do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na terça-feira (27)], o M23 impôs condições para a retirada. Com a ofensiva, os rebeldes colocam Joseph Kabila contra a parede". Já o Süddeutsche Zeitung escreveu que Kabila aceitou conversar com representante do M23 "porque o seu Exército não pode competir com os rebeldes".
Solução interna para conflito na República Democrática do Congo
"O governo congolês, derrotado militarmente em Goma, precisou admitir que é preciso elaborar uma solução intra-congolesa para o conflito, que tem dimensões nacionais", diz o texto do Neues Deutschland, que ainda lembrou declaração do porta-voz governamental Lambert Mende sobre as reivindicações do M23: "É uma farsa. Se voltarem todos os dias com um pedido novo, a situação ficará ridícula. Não estamos mais a falar a sério", afirmou.
O Süddeutsche Zeitung, com sede em Munique, no sul da Alemanha, destacou esta semana a "vergonha passada pelos capacetes azuis [soldados da ONU]". A promessa de um soldado das Nações Unidas de "não deixar Goma cair" parece "piada". Os soldados congoleses fugiram da região depois que começaram os confrontos com os rebeldes vindos do norte da RDC. "A ONU ajudou com alguns helicópteros. Mas depois da fuga dos congoleses os 1500 capacetes azuis da Monusco (missão da ONU para a RDC) ficaram sozinhos - e não intervieram".
De acordo com o jornal, a tensão na RDC também reacendeu o debate em torno das missões de paz da ONU. "A Monusco é a maior missão de seu tipo no mundo. Custa 1,5 mil milhões de dólares por ano. Suas forças, que somam cerca de 17 mil soldados, estão espalhados em diferentes pontos da RDC - um país tão grande quanto toda a Europa ocidental", constata o artigo.
No Kivu Norte, haveria 6700 capacetes azuis, lembra o jornal. "Mas as tropas da ONU não pararam os rebeldes, deixaram-nos entrar. Isso não só enfureceu vários congoleses que há anos aprendem que não podem confiar nos soldados internacionais quando precisam deles. Também na comunidade internacional, as críticas aumentam. Um diplomata ocidental ligado ao dossiê congolês afirmou à Süddeutsche Zeitung que a Monusco não esgota o mandato para o qual foi designada", diz o texto.
O Die Tageszeitung, por sua vez, fez um retrato da população de Goma após a tomada da cidade: "Há uma semana, não há luz nem água - numa cidade em que os rebeldes tentavam criar uma nova ordem". O diário Der Freitag destacou que o M23 "reúne uma nova geração de rebeldes que, além das armas como o AK47, também domina o uso de diferentes mídias".
"A cidade vazia de África"
Com fechamento anunciado, a versão alemã do diário britânico Financial Times titulou assim a matéria publicada na quinta-feira (29.11), ao falar da cidade do Kilamba, a 30 quilômetros da capital angolana, Luanda.
"Não é a única cidade satélite do continente", escreve Johannes Dieterich. "Mas em dimensões faraônicas, o Kilamba supera todas as outras. O que os chineses esboçaram aqui com minúcia quase nenhum angolano consegue pagar", diz o jornalista.
Dieterich descreve a "imagem surreal" que vê a partir de um dos apartamentos na nova cidade de Kilamba, que segundo a agência Lusa (09.11) "constitui um elo de tranisção para a nova urbe de Luanda que vai se situar junto à margem do rio Kwanza": segundo o jornalista alemão, "incontáveis blocos de apartamentos se enfileiram até o horizonte, como pedras de dominó". Os 750 edifícios do Kilamba, "construídos em apenas três anos por um investidor chinês [CITIC, ou China International Trust and Investment Corporation]", são "uma fata morgana [ilusão de ótica] urbana".
Porém, mais de um ano depois de os primeiros apartamentos serem disponibilizados para a venda, o Kilamba "continua sendo uma cidade fantasma". "Numa área de 900 hectares, 20 mil apartamentos esperam por proprietários. Quando o projeto for finalizado, 5 mil hectares deverão abrigar meio milhão de pessoas".
O artigo do Financial Times Deutschland diz ainda que o Kilamba é um projeto muito acarinhado pelo presidente angolano José Eduardo dos Santos. "Não existe visita de alto escalão a quem não seja apresentada a 'joia da coroa angolana'. O Kilamba vale como uma resposta corajosa de dos Santos ao problema da habitação em Angola, onde 70% da população ainda não possuem casas com paredes de cimento", escreve Johannes Dieterich.
Porém, o que a Delta Imobiliária "gosta de esconder é o fato de a cidade satélite estar praticamente vazia". Ruas e estacionamentos vazios, apenas uma das 15 escolas tem crianças, diz o texto. O motivo para o vazio: "as moradias são muito caras para a maior parte dos angolanos. Enquanto o presidente prometeu, nas eleições de 2008, que o Kilamba seria um exemplo de política social para solucionar o problema da habitação - ou seja, que os apartamentos seriam acessíveis à maior parte da população - agora, depois das eleições de agosto de 2012, o preço dos apartamentos foi fixado em 60 mil dólares".
O jornalista Johannes Dieterich ainda ouviu a antropóloga Claudia Gastrow, que afirmou que mesmo que alguém possa pagar um apartamento no Kilamba, pensaria duas vezes antes de se mudar para lá. "O padrão de vida contradiz a quase tudo o que os angolanos entendem por qualidade de vida". Segundo Gastrow, os africanos amam o espaço livre à volta de suas casas, mesmo que se trate de apenas alguns metros no entorno de uma casa numa favela. "Os apartamentos são desprezados, provavelmente porque muitos angolanos desconfiam de seus concidadãos depois da guerra civil [entre 1975 e 2002]", diz o texto do Financial Times Deutschland, destacando ainda o "individualismo" do povo angolano.Segundo o texto, a maioria da população angolana também não foi envolvida no projeto, a cargo principalmente de investidores chineses.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha