Guiné-Bissau: Campanha eleitoral é das mais caras no país
7 de março de 2019O politólogo guineense Rui Jorge Semedo disse, em entrevista à DW África, que a campanha eleitoral em curso para as legislativas de domingo (10.03) é das "mais caras" da história da Guiné-Bissau. No entanto, pela primeira vez, os partidos políticos estão a apresentar programas eleitorais.
Semedo afirma ter ficado "surpreso" por ver os partidos "importarem carros, motorizadas", além do dinheiro que, salientou, está a ser investido junto das comunidades para os "aliciar ou mobilizar para votar num ou outro grupo político".
Em entrevista à DW África, o politólogo explica que há dúvidas sobre a proveniência dos recursos que estão a ser usados, principalmente, nas campanhas do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Partido de Renovação Social (PRS) e Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15). "Sabe-se que, numa relação séria e credível, nunca se vão conseguir recursos como os que estamos a ver", afirma o especialista, acrescentando que, por vezes, o aparecimento destes fundos se deve "a compromissos" para depois das eleições, relacionados, por exemplo, com a "exploração dos escassos recursos que o país tem, como é exemplo a madeira". Cabe à CNE, diz Rui Semedo, questionar os partidos sobre a proveniência destes recursos.
DW África: Que avaliação faz da campanha eleitoral na Guiné-Bissau, que termina esta sexta-feira (08.03)?
Rui Jorge Semedo (RJS): Essa campanha, essa intensidade no uso dos recursos, não só financeiros, como materiais, deveu-se, essencialmente, à rutura dentro do PAIGC. Os 15 dissidentes do PAIGC que foram formar o Madem provocaram toda essa guerra para poder, não só, estar no parlamento na décima legislatura, mas também para "destronar" o PAIGC dessa posição dominante que o partido está a ter. Dos cinco ou seis pleitos que foram realizados no país, o PAIGC só perdeu um pleito a favor do PRS depois da guerra de 98. No passado, o maior adversário do PAIGC era o PRS, mas nestas eleições vê-se nitidamente a disputa ferrenha entre o PAIGC e o Madem. O Madem-G15 tem pessoas influentes, a nível de África e não só. O ex primeiro-ministro Umaro Sissoco tem alocado recursos, cuja proveniência ainda não é conhecida. Também o coordenador do Madem, Braima Camará, tem as suas conexões. São estas as pessoas, no caso do partido Madem, que estão a contribuir com recursos. O PAIGC também está a fazer a mesma coisa. Justifica os recursos que está a utilizar na campanha com os laços que tem com outros partidos e parceiros a nível internacional. O PRS igual. Agora, resta que depois das eleições, as instituições guineenses competentes façam o seu trabalho. Segundo a lei eleitoral, é a Comissão Nacional de Eleições a organização responsável por averiguar as despesas dos partidos na campanha eleitoral.
DW África: Mas não se sabe concretamente de onde vem o dinheiro… Terão os vencedores das eleições de pagar um preço por este dinheiro que gastaram?
RJS: Sim, o país não tem estrutura administrativa adequada para poder controlar a entrada desses recursos. E não é a primeira vez [que acontece]. É verdade que desta vez são mais visíveis as despesas [dos partidos] com os bens materiais e financeiros. Isso já tinha também acontecido no passado. Um dos exemplos é o caso do PRID [Partido Republicano da Independência para o Desenvolvimento]. Após o regresso do deputado Nino Vieira, o partido surgiu e, na altura apresentou não só bens materiais, mas também utilizou muito dinheiro, na sua campanha. Este cenário repetiu-se agora com o PAIGC, o PRS e o Madem a fazerem o mesmo. Investiram em motorizadas, carros e outros bens para poder aliciar o voto do eleitorado. Além de manipulação, eles estão a fazer aquilo que, infelizmente, o Estado guineense não consegue fazer ao longo deste período democrático, e nem conseguiu fazer nos quatro anos da legislatura. Dificilmente chegámos a ver o Estado a investir nos carros, nos materiais para hospitais e escolas ou nos materiais de escritório para a administração pública. Mas, de repente, estamos a verificar que os partidos têm mais capacidade de mobilização de recursos de fundos para as suas campanhas do que o próprio Estado.
DW África: Serão dinheiros de proveniência criminosa ou de países árabes islamistas? Há alguma teoria sobre isso?
RJS: Há suspeitas de que esses recursos possam ter proveniência duvidosa, mas quem deve avançar e comprovar isso são as instituições públicas. Nós, enquanto cidadãos, teremos alguma dificuldade. Mas sabe-se que, a nível de uma relação séria e credível, nunca se vão conseguir recursos como estamos a ver. Achamos que o dinheiro tem proveniência criminosa. São, às vezes, compromissos para depois da eleição explorar os escassos recursos que o país tem, como a madeira. Por exemplo, os carros que o PRS está a utilizar na campanha são fabricados na China, país que está metido na exploração ilegal e descontrolada dos recursos madeireiros. No caso do Madem, há a ligação de Sissoco com os países árabes e alguns países africanos. Poderá haver essa ligação. Mas, não posso afirmar que os recursos são, por exemplo, provenientes de cartéis de droga ou de grupos islamistas, porque não tenho essa informação, mas que é de proveniência duvidosa é, porque eles não conseguem provar [de onde vêm]. Por isso, esperamos que, após as eleições, a CNE confronte os partidos para que apresentem as provas da proveniência dessas despesas.
DW África: Porque há uma lei de financiamento de partidos, mas que é difícil de aplicar em países como a Guiné-Bissau, certo?
RJS: O Orçamento do Estado depende quase em 90% de apoio externo. Por isso, existe uma lei de financiamento público das campanhas, mas que o Estado só conseguiu cumprir em 1994, quando conseguiu dar algum dinheiro e um carro a cada partido ou candidato. Depois desse período, com a degradação institucional e financeira do país, o Estado não conseguiu cumprir com esse propósito. Os partidos aproveitam esse "incumprimento" do Estado em relação àquilo que a lei manda e prevê para poder ir buscar recursos no exterior.
DW África: Concorrem 21 partidos, referiu só os três maiores, mas surgiu um novo que é o FREPASNA [Frente Patriótica de Salvação Nacional]. Este partido também tem bastantes recursos…
RJS: Não no mesmo nível dos outros três. É um partido que surgiu com esta crise nas vésperas das eleições. Mas também espanta. O presidente é Baciro Djá, que teve uma experiência no governo, tem algum contacto, mas mesmo assim também é de espantar aquilo que, do ponto de vista de recursos, tem apresentado nesta campanha.