Guerra na Ucrânia pode provocar crise alimentar mundial
16 de março de 2022O preço do trigo sobe todos os dias, atingindo recordes máximos. Na bolsa de mercado futuro de Chicago, a maior praça mundial de produtos agrícolas, o preço aumentou 50% depois do ataque russo à Ucrânia. Ambas as partes em conflito, a Rússia e a Ucrânia, estão entre os maiores exportadores de trigo do mundo.
Segundo o economista agrícola Matin Qaim, diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento, em Bona, na Alemanha; "a Rússia e a Ucrânia, juntas, têm uma enorme participação no mercado de trigo mundial. Chega a ser 33,3% do que é comercializado no mundo."
A Rússia é de longe o maior exportador de trigo, seguido dos Estados Unidos, Canadá, França e Ucrânia, que ocupa, assim, o quinto lugar entre os maiores exportadores do produto.
"Grandes problemas ainda estão por vir"
Agora, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, os maiores impactos ainda estão por acontecer, diz o analista. "A maioria dos cereais da Rússia e da Ucrânia é exportada em meados do ano e no final do ano. Os grandes problemas ainda estão por vir", alerta.
A guerra não dificulta apenas a exportação dos estoques de cereais existentes. Se o conflito se prolongar, pelo menos na Ucrânia, não será possível realizar o plantio e a colheita como habitualmente.
Assim, o preço do trigo deverá disparar ainda mais, representando um enorme problema para os países compradores, particularmente para os países em desenvolvimento, que dependem da importação.
Países como o Líbano ou o Egito, por exemplo, importam a maior parte da sua cesta básica. O mesmo acontece em países como o Quénia, que também está dependente das importações de trigo.
Mas o trigo não é o único produto alimentar exportado pela Rússia e pela Ucrânia. A fatia destes países no mercado internacional do milho e da cevada corresponde a quase 20%. Quanto ao óleo de girassol, chega aos 80%.
"Notamos aumentos de preços não apenas no trigo, mas também noutros alimentos. Para os mais pobres, nos países em desenvolvimento, o aumento dos preços dos alimentos significa, acima de tudo, mais fome. Não há outra saída que não seja comer ainda menos", afirma Qaim.
Esta foi uma preocupação compartilhada, esta semana, pelo secretário-geral da ONU. "Devemos fazer tudo o que for possível para evitar o furacão da fome e o colapso do sistema alimentar mundial", disse António Guterres.
Difícil compensar as perdas da Rússia
Neste momento, países como a Índia e a China ainda possuem elevadas reservas de trigo e poderiam abastecer o mercado mundial. "Claro que estes dois países podem reduzir os seus estoques e aumentar a oferta de trigo no mercado internacional. No entanto, isso não é suficiente para compensar a quota da Rússia e da Ucrânia", explica Qaim.
Por outro lado, o trigo e outros alimentos continuam a ser cultivados e colhidos na Rússia. "A questão agora é saber se poderemos encontrar formas de garantir que, apesar da guerra, as exportações de alimentos russos evitem uma catástrofe humanitária. Nomeadamente, os impactos da guerra noutras partes do mundo", diz o especialista.
Pelo menos, por enquanto, isso não deverá acontecer. Devido aos aumentos de preços resultantes das sanções económicas impostas por países ocidentais à Rússia, o Kremlin restringiu as exportações de vários produtos para assegurar o abastecimento da sua população nacional.
As restrições russas à exportação de cevada, centeio, trigo, milho, açúcar e outros produtos começaram esta terça-feira (15.03) e permanecem em vigor até 30 de junho.
As sanções impostas contra a Rússia não só tornam as exportações deste país mais difíceis, como inviabilizam também os pagamentos, já que vários bancos russos foram excluídos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT. Neste sentido, o economista Matin Qaim alerta que "é preciso discutir seriamente aqui as isenções para os alimentos".
A Ucrânia, outrora chamada "o celeiro da Europa" devido aos seus solos férteis, está a ser fortemente abalada pelo conflito com a Rússia. Mas não deverá sofrer sozinha os efeitos desta guerra.