Irá o petróleo do Médio Oriente travar a subida dos preços?
9 de março de 2022Os Estados Unidos da América e o Reino Unido anunciaram esta terça-feira (08.03) um embargo às importações de petróleo e gás russo. Do lado da Comissão Europeia veio o anúncio da proposta de eliminação progressiva da dependência de combustíveis fósseis russos antes de 2030. E a presidente Ursula von der Leyen já garantiu que a Europa tem gás suficiente para ultrapassar o inverno sem importações da Rússia.
À medida que a invasão da Rússia à Ucrânia se intensifica, os apelos para boicotar o petróleo russo têm aumentado. Já na semana passada, 465 organizações em 50 países pediram aos seus governos que deixassem de utilizar a energia russa. "A dependência mundial dos combustíveis fósseis está a financiar a guerra de Putin", lê-se na declaração assinada por organizações como Greenpeace, Extinction Rebellion e Fridays for Future, entre muitas outras.
Numa análise do mercado petrolífero publicada pelo Instituto de Oxford para Estudos de Energia na semana passada, a Rússia está classificada como o segundo maior produtor de petróleo bruto do mundo, representando 14% da produção total mundial em 2021. Cerca de 60% das exportações vão para a Europa e 35% para a Ásia.
Especialistas concluem que só a Europa fornece à Rússia cerca de 350 milhões de euros (382 milhões de dólares), por dia, em troca de petróleo.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, escreveu na rede social Twitter que caso o mundo continue a utilizar petróleo e gás russo, significa que não é a favor das sanções internacionais que visam convencer a Rússia a retirar-se da Ucrânia.
O peso do petróleo da Rússia
A importância do petróleo russo explica, em parte, a demora nos embargos. É difícil substituí-lo e, acima de tudo, evitar que os preços do petróleo disparem.
Mesmo antes da invasão da Rússia à Ucrânia, os preços do petróleo já eram elevados. À medida que o mundo recuperava da pandemia da Covid-19, uma procura mais elevada do que a esperada esbarrava com a baixa oferta dos produtores.
Devido à guerra na Ucrânia e ao receio de novas perturbações no mercado, os preços do petróleo continuam a subir. Na segunda-feira (07.03), o custo de um barril de petróleo bruto Brent subiu para 139 dólares (128 euros), aproximando-se do seu preço recorde de 147,50 dólares, alcançado em 2008. O petróleo bruto Brent estabelece o valor de referência de cerca de dois terços do petróleo mundial.
Segundo o relatório do Instituto de Oxford, os analistas esperam, este ano, um preço médio do petróleo de cerca de 116 dólares por barril.
Para além da subida dos preços estarem a beneficiar a Rússia, estão também a ter um impacto negativo nas economias ocidentais. Assim, a procura de alternativas ao petróleo russo, bem como formas de contrariar os aumentos dos preços da energia tornou-se ainda mais urgente.
Alternativas no Médio Oriente?
Parte da resposta pode estar no maior produtor mundial de petróleo bruto, a Arábia Saudita. Acredita-se que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU) sejam os dois únicos grandes produtores de petróleo capazes de aumentar a produção de reposição com relativa facilidade.
Ainda assim, seria difícil o seu petróleo substituir rapidamente o fornecimento proveniente da Rússia, diz Karen Young, diretora fundadora do Programa sobre Economia e Energia do Instituto do Médio Oriente, com sede em Washington. "Aumentar a produção não significa aumentar as exportações diretamente para a Europa", explica, em entrevista à DW. "Os mercados petrolíferos não são assim tão facilmente redireccionados".
Young afirmou que a maior diferença que os sauditas poderiam fazer seria produzir mais petróleo para que os preços baixassem no mercado global. Em meados de fevereiro, mesmo antes do início da invasão russa, o Governo dos EUA já tinha pedido aos sauditas e aos EAU mais petróleo para aliviar os preços.
Na última reunião da OPEP+ - a Organização dos Países Exportadores de Petróleo mais aliados, liderada pela Rússia - os membros concordaram que não se desviariam do seu plano de produção elaborado no início deste ano. O grupo quer apenas aumentar lentamente a produção em 2022, após a pandemia da Covid-19 ter conduzido a uma queda histórica na procura.
Durante uma reunião a 2 de março que durou 13 minutos, os 23 membros da OPEP+ concluiram apenas que aumentariam a produção em 400.000 barris por dia em abril, e nem mencionaram a guerra da Ucrânia no seu documento final.
Política de produção
"A OPEP tem uma política de longa data de não alterar a produção ou a oferta com base em acontecimentos geopolíticos", explicou Hasan Alhasan, um investigador sobre política do Médio Oriente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos em Londres. "Eles só mudam em resposta a mudanças nos fundamentos do mercado".
Alhasan sugeriu que uma maior pressão sobre os EUA poderia ajudar, uma vez que os Estados Unidos são um parceiro de segurança tradicional para as nações do Golfo. Mas neste momento, advertiu Alhasan, isto é tecnicamente um conflito entre terceiros. No entanto, a percepção do conflito por parte dos sauditas pode mudar, se a guerra continuar e outros países - ou mesmo a OTAN - se envolverem, ou se for introduzida uma proibição total do petróleo russo.
"Penso que uma receção mais calorosa e um pedido direto do Presidente Biden a [Príncipe Herdeiro Saudita] Mohammed bin Salman poderia também encorajar uma maior produção saudita", disse Young do Middle East Institute. O presidente dos EUA ainda não falou diretamente com o líder saudita.
O recuo global contra a guerra da Rússia, incluindo as chamadas estratégias de sanção, pode também contribuir para a mudança na política de produção da Arábia Saudita. Os trabalhadores portuários de todo o mundo recusaram-se a descarregar petróleo russo, enquanto os financiadores, assustados com as sanções, se recusam a fornecer crédito ou métodos de pagamento para os negócios petrolíferos russos.
Cautela nas relações
Alguns analistas de mercado defendem que as relações no Médio Oriente deveriam ter sido mais cuidadosamente cultivadas pelos EUA e pela União Europeia, especialmente agora que a guerra da Rússia contribuiu para um aumento da importância dos produtores de petróleo na região.
"Mesmo que a diplomacia ocidental consiga trazer estes países a bordo, a sua preocupação [os países do Médio Oriente] é que isto seja apenas temporário", disse Cinzia Bianco, uma perita na região do Golfo no escritório de Berlim do Conselho Europeu das Relações Exteriores, à DW.
Dina Esfandiary, conselheira para o programa do Médio Oriente e Norte de África no grupo de reflexão do International Crisis Group, considera que a importância dos países árabes produtores de petróleo vai oscilando. A longo prazo, "penso que também houve uma percepção entre estes produtores de energia, de que eles não são tão importantes agora como quando o mundo estava altamente dependente deles", referiu Dina Esfandiary.
Por esta razão, qualquer pressão sobre os produtores de petróleo do Médio Oriente precisa de ser cuidadosamente considerada, disse Alhasan. Se houver demasiada coerção, argumentou, só validará as suas preocupações "e, a médio prazo, acelerará os seus esforços para expandir o seu círculo de aliados internacionais".