"Governo português tem consentido atropelos em Angola"
13 de outubro de 2015O caso dos 15 ativistas detidos também está na ordem do dia em Portugal. De acordo com o documento enviado ao ministro dos Negócios Estrangeiros português, o BE quer saber se o Governo português vai dar instruções à Embaixada de Portugal em Luanda para visitar o ativista luso-angolano Luaty Beirão, de 33 anos, e dar-lhe "todo o apoio" jurídico e institucional. A possibilidade de uma ação jurídica é outras das questões apresentadas pelo partido.
Familiares de Luaty Beirão, em greve de fome há 23 dias, dizem que o ativista continua a correr risco de vida. Outros 14 ativistas também estão detidos desde junho, acusados de rebelião e de preparação de um atentado contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
Sobre este assunto, a DW África entrevistou o Pedro Filipe Soares. O deputado do BE critica a "inação do Governo português" e defende que as autoridades portuguesas têm obrigação de intervir.
DW África: Questionou formalmente o ministro dos Negócios Estrangeiros português sobre este caso. O que diz este documento que o Bloco de Esquerda enviou a Rui Machete?
Pedro Filipe Soares (PFS): São dois aspectos: porquê o facto de ter tardado em dar uma resposta específica a este cidadão e por que é que não tem agido junto do Governo angolano para garantir, nos termos diplomáticos, que o respeito pelos direitos humanos é um respeito que deve ser levado por diante em Angola.
DW África: Entretanto, Rui Machete fala numa "questão interna do Estado angolano". O que pensa sobre esta posição?
PFS: É uma posição de quem está conivente com toda esta situação e de quem não tem a coragem de defender um cidadão luso-angolano. Não é só uma situação interna do regime angolano. É um cidadão que também deveria ter a preocupação do Governo português. Por outro lado, Portugal, até pela história que tem na defesa dos direitos humanos e das liberdades internacionais em vários países do mundo, deveria ter a preocupação com Angola, dada a proximidade que existe de relações comerciais, de história, etc.
Deveria ter uma sensibilização para o respeito das liberdades fundamentais e não deveria calar-se perante estes atropelos à liberdade. No entanto, o Governo português tem consentido estes atropelos, mesmo quando se trata de cidadãos luso-angolanos, mesmo quando estão detidos contra qualquer aplicação da legislação angolana, mesmo quando estão em risco de vida. O Governo português deveria ter agido e não agiu.
DW África: Qual é que deve ser então a actuação do Governo português? Na prática, que acções devem ser tomadas?
PFS: O Governo português tem representantes em Angola. O embaixador em Angola [João da Câmara] deveria ter-se inteirado da situação do luso-angolano. Deveria tê-lo visitado na prisão e saber se a justiça estava ou não a cumprir o seu normal funcionamento. Uma segunda ação – e esta mais formal do Governo numa lógica internacional – seria exigir do Governo angolano o respeito pelos direitos fundamentais, pela democracia e pelo Estado de direito que deve existir. E sobre esta matéria nós vemos que, do lado do Governo português, há um lavar de mãos como Pilatos, uma completa inação e uma falta de assumpção da sua responsabilidade, que no plano internacional, quer no plano de resposta a um cidadão luso-angolano.
DW África: Pelo menos nos últimos tempos, a opinião pública em Portugal parece estar a "despertar" para os problemas de direitos humanos em Angola? Por que é que acha que isto está a acontecer? Por que é que se perdeu um pouco este medo de falar de assuntos que antes eram incómodos?
PFS: Creio que neste momento é mais visível a situação existente em Angola, o autoritarismo do regime angolano. A máscara que existia, e que foi sendo criada muito até pelo crescimento da economia angolana, agora com alguns problemas nessa economia começa a ruir e estes casos começam a ser muito mais visíveis. Sempre existiu em Portugal um acompanhamento da situação angolana e uma solidariedade para com aqueles que eram vítimas dos atropelos e do autoritarismo do regime angolano.
É verdade e ainda bem que essa solidariedade tenha aumentado. E este caso em concreto tem possibilitado esse alargar da base de solidariedade. Esperemos que sirva de pressão para o regime angolano e que consiga ajudar o povo angolano a alcançar uma democracia plena e a liberdade também na sua forma plena.