Europa fecha os olhos a corrupção de África?
20 de fevereiro de 2019Jean-Jacques Lumumba quer descobrir a verdade. Mas, no seu país natal, a República Democrática do Congo, muitos preferem varrê-la para debaixo do tapete.
Lumumba trabalhava em Kinshasa no departamento de crédito de um banco gabonês e descobriu movimentações suspeitas. Um dia, avisou a administração do banco e a sua vida mudou de um dia para o outro: foi ameaçado com uma pistola, para não dizer nada. Poucos dias depois, fugiu para França.
O congolês, sobrinhho-neto do herói da independência Patrice Lumumba, denunciou o caso publicamente: mais de 40 milhões de euros teriam sido lavados com a ajuda do banco onde trabalhava, o BGFI.
"Houve empresas implicadas nestas transações próximas do ex-Presidente Joseph Kabila", diz Lumumba em entrevista à DW. "O banco era dirigido por um homem de confiança do Presidente."
David contra Golias
O caso está agora nas mãos da Justiça francesa. É uma contenda de "David contra Golias", comenta o advogado de Lumumba, Henri Thulliez. A sua esperança é que David vença.
Este não é o único processo nos tribunais europeus a envolver líderes africanos. Em outubro de 2017, um tribunal francês condenou Teodorin Obiang, filho do Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, a três anos de prisão, por desvio de fundos públicos e lavagem de dinheiro. Foi-lhe ainda confiscado património em França, incluindo uma vivenda orçada em cerca de 100 milhões de euros.
A sentença é um triunfo para organizações anticorrupção como a Sherpa ou a Transparência Internacional, que batalharam pelo esclarecimento do caso - mas é uma das poucas histórias de sucesso. Na Suíça, um processo contra Obiang, por suspeitas de branqueamento de capitais, acabou este mês com uma espécie de acordo: a Guiné Equatorial pagou um milhão de euros em custos processuais. Além disso, foram confiscados 25 automóveis de luxo de Obiang, para venda em leilão - a receita será revertida a favor da população da Guiné Equatorial. O caso foi arquivado e Obiang pôde ficar com o iate de luxo que estava em causa no processo, avaliado em cerca de 90 milhões de euros.
É um luxo que contrasta com as vidas da maioria das pessoas no país, lembra Sarah Saadoun, da organização de direitos humanos Human Rights Watch. Segundo a imprensa suíça, entre os automóveis confiscados estão exemplares raros como um Bugatti Veyron ou o Koenigsegg One:1 - cada um, com um preço a rondar os dois milhões de euros.
"A corrupção na Guiné Equatorial prejudicou diretamente os setores da educação e da saúde", diz Saadoun em entrevista à DW. "A Guiné Equatorial tem o maior Produto Interno Bruto per capita do continente, mas a menor taxa de vacinação no mundo." Muito poucos beneficiam das receitas do petróleo.
Faltam normas comuns
Na Europa, os tribunais parecem estar ainda de pé atrás em relação a processos que envolvem elites africanas, comenta o advogado Rui Verde.
"Há o medo de que sejam acusados de colonialistas ou neocolonialistas", afirma.
Em dezembro, a Justiça portuguesa condenou o ex-procurador Orlando Figueira a seis anos e oito meses de prisão por receber dinheiro do ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, para travar inquéritos a alegados casos de corrupção. O caso de Manuel Vicente foi separado do restante processo e enviado para julgamento em Angola. O caso contribuiu para um mal-estar nas relações entre Angola e Portugal.
Gillian Dell, da Transparência Internacional, diz que é preciso fazer mais para levar mais casos à Justiça. A organização denunciou, por exemplo, o Presidente do Gabão, Ali Bongo. Mas o processo contra Bongo foi suspenso em 2017, por falta de provas.
"Há poucos avanços nesta área", refere Dell. "Precisamos de avanços não só nos procedimentos criminais, como também na prevenção da lavagem de dinheiro. Há anos que pedimos mais transparência sobre os titulares de empresas e fundos". Segundo a organização, isso seria facilitado com normas comuns em todos os Estados europeus.
O congolês Jean-Jacques Lumumba, que se refugiou em França depois de fazer denúncias de corrupção no banco onde trabalhava, continua a temer pela sua vida. Ainda assim, não desiste de apurar a verdade: "A verdade não tem preço", afirma. "Mesmo que eu já não exista, a minha luta continuará - não é por mim que eu luto, mas por muitos congoleses."