Estará Angola preparada para as eleições autárquicas?
10 de novembro de 2019A maioria dos angolanos na diáspora acredita que é possível realizar as eleições autárquicas em Angola no próximo ano, altura em que o país celebra 45 anos de independência. Mas também há quem tenha sérias dúvidas, tendo em conta que o tempo é curto até 2020. Além disso, nota-se uma ausência de ideias claras sobre como fazer funcionar o poder local descentralizado nos municípios.
Onofre dos Santos, ex-juiz conselheiro do Tribunal Constitucional angolano, que foi diretor-geral das eleições em Angola, disse à DW África que "o futuro de Angola vai passar [seguramente] pelas eleições autárquicas".
O jurista não duvida que se trata de um desafio para o país, mas que poderá ser salutar: "Vai haver mais pessoas que vão aparecer, que não são necessariamente partidárias, e que poderão ser até independentes". Onofre dos Santos espera que haja "criatividade suficiente para estas eleições autárquicas serem um avanço democrático significativo".
Onofre dos Santos admite que exista alguma "incerteza", não apenas no plano financeiro para a organização e realização dos escrutínios já em 2020. "Estamos tão perto de 2020 que eu olho com algum pessimismo para a possibilidade de se realizar eleições autárquicas em todo o território de Angola como a gente gostaria. Idealmente seria assim, não só pela questão financeira. Tudo isto implica um processo de divulgação das ideias, o que é que é preciso, o que é que se espera de um poder autárquico", afirmou.
A descentralização necessária
Em março de 2018, o Presidente angolano, João Lourenço, propôs a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola no próximo ano, propondo uma implantação de forma faseada. Presentemente, ainda persistem dúvidas sobre o formato e o momento exato para a ida às urnas a nível municipal. Angola nunca elegeu os representantes do poder local, que, até à data, são nomeados pelos governos provinciais, por sua vez indicados pelo governo central.
O jornalista angolano Gabriel Baguet Júnior crê na realização de eleições autárquicas em 2020 se houver um enorme esforço do executivo liderado por João Lourenço para a descentralização do poder político e administrativo.
"A descentralização será fundamental por vários eixos. Mas o primeiro eixo é, de facto, levar o conhecimento e, sobretudo, levar o desenvolvimento às pessoas. A extensão territorial de Angola, quer no plano terrestre quer no plano marítimo, implica essa imperativa opção estratégica".
Autarcas verdadeiramente independentes
O jornalista angolano avisa que o Governo de Luanda não pode adiar mais a realização das eleições autárquicas, porque estas são essenciais para reduzir as assimetrias entre as províncias no plano económico, social e cultural. Para este cidadão angolano, as autárquicas vão levar às populações aquilo que o Executivo tem tido dificuldades de realizar em termos de políticas públicas para o desenvolvimento local.
"Porque ao longo, quer do processo de guerra civil, quer no período pós-guerra civil e agora no contexto de paz, o que se verifica é que o Executivo tem tido uma enorme dificuldade através dos governos provinciais de aplicar um conjunto de políticas públicas que surtam de facto os seus efeitos e tragam benefícios às populações, muitas vezes completamente distantes daquilo que é uma decisão governamental", disse Baguet à DW África.
O cineasta angolano Zezé Gamboa não sabe se o país está ou não preparado para realizar as eleições em 2020. Diz que cabe aos políticos avaliarem quais são as dificuldades. "Se as eleições tiverem lugar e se forem bem organizadas, o que importa é a descentralização em relação ao poder central", defende.
"Mas espero que os autarcas tenham um poder real e não estejam subordinados ao poder central. Portanto, que eles tenham poder de decisão sobre o desenvolvimento da autarquia [que representam]", acrescentou. Caso contrário, não vale a pena realizar eleições autárquicas em Angola, diz o cineasta.