Entenda o debate sobre a quebra de patentes das vacinas
7 de maio de 2021O apoio do Governo dos Estados Unidos à proposta da África do Sul e da Índia para levantar a proteção das patentes das vacinas contra a Covid-19 está a gerar um intenso debate.
De um lado, Washington, dezenas de países em desenvolvimento, várias ONG e a Organização Mundial de Saúde (OMS) defendem que a medida vai facilitar e acelerar a imunização nos países mais pobres. Também a União Europeia, inicialmente hesitante, está agora aberta a discutir a hipótese.
Do outro lado, as empresas farmacêuticas e alguns países, incluindo a França e a Alemanha, que alegam que o levantamento das patentes não ajuda a controlar a pandemia a curto prazo e vai prejudicar a inovação.
"Como país, queremos produzir vacinas localmente contra esta e futuras pandemias. É por isso que a África do Sul e a Índia propõem o levantamento das patentes à Organização Mundial do Comércio (OMC)”, esclarece o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa.
Não é tão simples
A OMC, por sua vez, já saudou a proposta apoiada pelo Governo norte-americano, dizendo que o próximo passo é ter um texto para se chegar a um acordo para suspensão das patentes. Mas a questão é mais complicada do que parece.
Nathalie Moll, diretora-geral do grupo de lobby Federação Europeia das Indústrias e Associações Farmacêuticas, diz que não é tão simples como olhar para uma patente e reproduzi-la.
"Há uma grande preocupação com o risco de o levantamento da proteção das patentes desviar as matérias-primas das cadeias de abastecimento bem estabelecidas para locais de fabrico menos eficazes, onde a produtividade não é controlada e a qualidade pode ser um problema”, explica.
Fabricantes eficientes
Não basta seguir uma receita para produzir uma vacina. O processo exige equipamento especializado, trabalhadores qualificados e controlo rigoroso de qualidade. E, por poucas palavras, fabricantes e alguns analistas acreditam que não há capacidade de produção fora dos países ricos, mas este é um debate bastante renhido.
"Não é que não haja capacidade de produção fora dos países mais ricos. No passado, alguns fabricantes no Canadá, por exemplo, tentaram obter licenças de fabricantes que estão a produzir e não conseguiram nenhuma. É necessária uma suspensão abrangente de patentes e, numa segunda fase, uma transferência de tecnologia”, diz Elisabeth Massute, dos Médicos Sem Fronteiras.
A prioridade, diz Elisabeth Massute, não pode ser o lucro. Mas o anúncio do apoio norte-americano à suspensão das patentes já levou a quedas acentuadas das ações de fabricantes de vacinas, como as norte-americanas Moderna e Novavax e a alemã BioNtech, com os investidores a temerem a perda de receitas.
O grande argumento da indústria, de resto, é que a única forma de incentivar o investimento em investigação é através do sistema de proteção de patentes - que garante rendimentos a longo prazo ao impedir concorrentes de copiarem uma descoberta de uma empresa e lançarem um produto rival.
Investimento acelera descobertas
Segundo Micaela Modiano, advogada especializada em patentes europeias, seria um mau precedente suspender a proteção de patentes.
"É por causa das patentes que as empresas continuam a investir em busca de novos tratamentos, melhores vacinas e medicamentos. E não haveria este tipo de investimento se não houvesse a recompensa adequada. É um pouco ingénuo estar a tentar reinventar este sistema”, opina Modiano.
No centro do debate está ainda a questão do tempo. Irá a suspensão das patentes ajudar a combater a pandemia de Covid-19 rapidamente? Uma possível aprovação da proposta de suspensão das patentes requer negociações profundas e deverá demorar meses, segundo os especialistas.
E este foi um dos argumentos apresentados pelo Governo alemão para se opor à medida: a curto prazo, a prioridade deve ser o aumento da atual capacidade de produção de vacinas.