Em Angola, violência contra mulheres é parte do cotidiano
Elas atravessam as cidades de lés a lés a lés, a pé, e muitas vezes carregando os seus bébés às costas. E assim asseguram o sustento das suas famílias. E muito frequentemente se tornam vítimas de violência, nas ruas de Launda e outras capitais de província: são as zungueiras, ou vendedoras ambulantes.
"Um dos principais problemas é a violência que sofrem por parte dos agentes do Estado: seja das administrações municipais, do governo provincial de Luanda e também da Comissão Nacional", afirma Sizaltina Cutaia da organização cívica Open Society Angola.
Segundo Cutaia, as mulheres sofrem todo tipo de violência: física, sexual, moral ou psicológica. "Ainda têm de estar preocupadas com os fiscais que levam as suas mercadorias e depois submetem-nas a todo tipo de apetências sexuais - seja por parte dos fiscais ou dos polícias", explica.
Polícia pune divulgação de casos
Agressões contra zungueiras foram também registadas por Coque Mukuta, jornalista angolano, que tem vindo também a investigar casos de agressões e assédio sexual contra as ambulantes. O próprio Mukuta foi recentemente detido pela polícia, por registar esse tipo de situações.
"Eu assisti, há duas semanas, na Vila de Viana [cidade próxima à capital, Luanda], a polícias fardados - e fiscais, também identificados - a baterem numa senhora com um cabo elétrico. As pessoas veem, não é segredo nenhum", constata o jornalista.
"Outra cena que se registou no último sábado (12.01), no [bairro de] São Paulo [em Luanda], foi que quatro polícias e três fiscais algemaram, com uma certa brutalidade, uma cidadã - que por sinal estava grávida", relata o jornalista.
De acordo com Coque Mukuta, o assédio sexual acontece diariamente. Muitas vezes os polícias aproveitam-se das nebulosas leis vigentes para exercer pressão sobre as mulheres. É que, fora dos mercados - onde as mulheres teriam que pagar uma taxa - as zungueiras oficialmente não são autorizadas a vender, arriscando-se a pagar multas que podem ascender a três mil kwanzas (cerca de 30 dólares), soma que as mulheres normalmente não estão em condições de pagar.
E é aí que começa o assédio: "Eles [fiscais e polícias] fazem chantagem", diz Coque Mukuta. "Eles pedem 'namoro'. Se não aceitares o assédio deles, não te devolvem as coisas", explica.
Debate no início e tendência à banalização
O debate sobre esta problemática no seio da sociedade Angola está ainda no início. A sociedade angolana convive com muitos problemas e a tendência é para a banalização, diz Sizaltina Cutaia da Open Society: "A maneira como o Estado e também a imprensa pública apresentam a questão é como se elas [zungueiras] fossem arruaceiras, como se fossem desobedientes, mas não há debate a sério sobre esta matéria".
Não só a Open Society, também a Human Rights Watch chama a atenção para o problema. Em conversa com a DW África, a HRW disse que a problemática está a ser objeto de investigação por parte desta organização de defesa dos direitos humanos.
Autor: António Cascais
Edição: Renate Krieger/António Rocha