Em Angola SOS Habitat passa de acusador a acusado
3 de dezembro de 2014Esta semana aconteceu em Luanda um seminário nacional sobre a problemática da ocupação de terrenos. Esta foi uma iniciativa da Casa Civil do Presidente da República e ministérios de tutela do país. Carlos Feijó, que também é docente universitário, acusou a ONG de defesa dos direitos humanos SOS Habitat e advogados de darem proteção a populares que ocupam terrenos de forma ilegal. Sobre o assunto entrevistamos o coordenador da ONG, Rafael Morais.
DW África: Corresponde à verdade a acusação de Carlos Feijó?
Rafael Morais (RM): Sim, li esse assunto e isso não corresponde à verdade, porque a SOS Habitat sempre defendeu as pessoas que vêm solicitar (ajuda), mas já com os seus direitos violados. E nós fizemos o trabalho com as comunidades, levamos as suas preocupações às administrações e, infelizemte, a adminisitração nunca fez um trabalho de investigação a todo aquilo que temos apresentado à administração do Estado. Portanto, seria importante que o Governo aproveitasse as nossas denúncias para serem investigadas e encontrar soluções para os problemas que as comunidades levam para as administrações e também para a SOS Habitat.
DW África: De uma maneira resumida poderia explicar-nos que mecanismos a SOS Habitat usa para certificar que, realmente, os desalojados ou ilegais, têm licença de uso e aproveitamento de terras?
RM: De princípio a maior parte do povo angolano, cerca de 75%, não tem documentos. E quem criou isso foi o próprio Governo angolano, desde 1975. Aqui mesmo em Luanda, há muitas pessoas que vieram de várias zonas, de outras províncias, no tempo da guerra para poderem fugir ao conflito. Essas pessoas vieram para as grandes cidades, e uma delas é Luanda, mas o Governo não teve a ousadia de comprar, pelo menos, uma fita métrica ou uma corda no mercado informal para orientar as pessoas sobre como elas deveriam construir as suas habitações. É claro que a necessidade de viver levou-lhes a essas zonas para poderem construir algo sem nenhum documento. O Governo angolano tem conhecimento disso, que a maior parte das pessoas não tem documentos. Mas a SOS Habitat olha para o direito dessas pessoas, o direito à habitação e o direito de viver. E como já se encontram instaladas nessas zonas há mais de 20, 30 anos constroem as suas casas que depois são demolidas e (as pessoas) são postas ao relento. Há outros direitos, estamos a falar dos direitos das crianças, das mulheres e dos idosos que são constantemente violados e é aí onde nós aparecemos. Violam-se os direitos desses cidadãos e estes percebem que existe a SOS Habitat. E está claro elas vêm solicitar (os nossos serviços). Quando há eleições os políticos vão para essas zonas buscar voto e não entendo como agora essas pessoas são anárquicas e que a SOS Habitat está a protegê-las. A primeira pessoa que protegeu e criou a anarquia no seio dessas comunidades foi o próprio Governo angolano. Aliás, a pessoa que poderia acusar a SOS Habitat não é o dr. Carlos Feijó, que é jurista e conhece bem as leis. Deveria preocupar-se, numa primeira fase, com as constantes violações da Constituição da qual ele é autor.
DW África: Ao que tudo indica, também o senhor Carlos Feijó reconheceu que o fácil assédio aos técnicos e fiscais para o envolvimento na venda de terrenos baldios e a inexistência de planos diretores provinciais e municipais facilitam esta situação crítica no que se refere à ocupação ilegal de terrenos...
RM: A SOS Habitat já apresentou várias vezes casos de indivíduos ligados à administração do Estado que têm violado as normas administrativas, para que sejam investigados e para que a administração do Estado tome medidas contra essas pessoas. Mas o Governo angolano nunca teve a ousadia de investigar ou, pelo menos, chamar a SOS Habitat para pedir explicações do que estamos a denunciar. Ficámos admirados quando ouvimos esta notícia, porque o dr. Carlos Feijó e outros fazem parte dos indivíduos que estão a proteger as pessoas impunes e a imunidade aqui em Angola, porque ele está dentro do sistema e do Governo. Nem tão pouco se dignou falar sobre as constantes violações da Constituição e das normas administrativas também. Há pessoas que não são notificadas, são surpreendidas pelas forças armadas, polícias, são postas ao relento para além de outros direitos serem violados, como o direito à educação, ao emprego, à saúde, enfim, a essas coisas todas. E isso é o que ele devia falar.