Eleitores de Cabinda mostraram "cartão vermelho" ao MPLA
30 de agosto de 2017A oposição fala em vitória. Nas eleições gerais de 23 de agosto, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) tiveram em conjunto mais votos na província de Cabinda do que o partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Segundo os resultados provisórios divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o MPLA obteve 39,75% dos votos, conseguindo eleger dois deputados; a CASA-CE conseguiu 29,33% dos votos, elegendo igualmente dois deputados, e a UNITA conseguiu eleger um deputado, com 28,18%.
Raúl Tati, antigo vigário-geral da diocese de Cabinda e candidato independente apoiado pela UNITA, considera que os eleitores mostraram um "cartão vermelho" à governação do MPLA no enclave angolano. Afirma ainda que as eleições gerais poderiam ser vistas como uma "espécie de referendo indireto" sobre a evolução do enclave de "província" para "região autónoma angolana".
DW África: O MPLA não conseguiu vencer em Cabinda. Como interpreta os resultados na província, que dão a vitória à oposição, em conjunto?
Raúl Tati (RT): Se a tendência dos dados provisórios se confirmar, podemos confirmar o que foi dito: o MPLA não conseguiu vencer em Cabinda. A oposição levou a melhor. O MPLA deve ver isto como um cartão vermelho que, desta vez, os eleitores de Cabinda passaram ao atual regime.
DW África: E como encarar agora este novo Governo, que, evidentemente, não terá nenhuma presença forte em Cabinda?
RT: Noutros contextos, talvez pudéssemos dizer que, uma vez que os partidos da oposição levaram a melhor em Cabinda, as coisas poderiam mudar durante a próxima governação. Mas sabendo que temos um Estado fortemente centralizado, é muito difícil fazer previsões em relação ao que vai ser o próximo Governo. Acredito, porém, que fica aqui um recado muito forte do eleitorado de Cabinda para o MPLA.
O partido falhou na sua governação e na sua relação com o eleitorado de Cabinda. Mas há um outro dado interessante: o facto de os dois partidos da oposição, a UNITA e a CASA-CE, que são os grandes vencedores deste pleito em Cabinda, serem partidos que defendem um estatuto diferente de Cabinda. A UNITA defende, claramente, um estatuto de autonomia alargada; a CASA-CE também defende um estatuto especial para Cabinda - de tal modo que isto podia ser visto como uma espécie de referendo indireto em que os cabindas votaram para que o estatuto de Cabinda possa evoluir de província angolana para região autónoma.
DW África: Se os dados preliminares se confirmarem, a CASA-CE posicionar-se-ia no segundo lugar enquanto a UNITA passaria para terceiro lugar. Que leitura faz sobre isso?
RT: Isso ainda não se confirmou. Está-se a trabalhar para confirmar. Mas, em princípio, tanto a CASA-CE como a UNITA podiam ter tido o mesmo resultado, porque são partidos que se posicionaram bem durante a campanha. Neste caso, o grande perdedor é apenas o MPLA.
DW África: Acha que a abstenção na província terá influenciado a derrota do MPLA? Essa abstenção terá sido uma reposta ao apelo lançado pela FLEC?
RT: Não acredito. A abstenção foi a que se observou em todas as partes de Angola.
DW África: Fala-se de 22,79%.
RT: Sim. Há lugares onde essa cifra foi superior. Creio mais que tenha havido problemas de deslocalização dos eleitores. Isso desmoralizou muitos eleitores ou impediu-os mesmo de exercer o seu direito de voto. O pai de um amigo meu, por exemplo, está registado cá, atualizou o registo em Cabinda, mas tinha de ir votar ao Soyo [província do Zaire]. Casos dessa natureza devem ter pesado muito. Outra leitura que se faz é de que muitos militantes do MPLA estão descontentes com o próprio partido - é um descontentamento interno com a gestão do próprio partido. Muitos deles terão colocado votos em branco e outros pura e simplesmente não foram votar.