Egito declara estado de emergência depois de mais de 500 mortos em confrontos
As autoridades falam em 522 mortos em todo o país, a maioria apoiantes da Irmandade Muçulmana que exigem o regresso de Mohamed Morsi à presidência do Egito, após ter sido destituído pelo Exército a 3 de julho.
A onda de violência começou esta manhã de quarta-feira (14.08), quando forças de segurança egípcias começaram a remover dois acampamentos de apoiantes de Morsi nas praças Rabaa al-Adawiya (leste) e Al Nahda (centro), no Cairo.
"O acampamento dos apoiantes de Morsi, que antes estavam na mesquita de Rabaa-al-Adawija da cidade de Nasr e na região de Gizé, foram retirados de lá à força esta manhã", testemunha um cidadão egípcio.
Antes da imposição do recolher obrigatório, no Cairo, a presidência egípcia anunciara, em comunicado, que tinha decretado o estado de emergência, em todo o país, com a duração de um mês.
Segundo uma nota informativa da presidência, a decisão foi adotada devido ao "perigo" que ameaça "a segurança e a ordem nos territórios do país". Momentos depois, o vice-presidente com a tutela das relações internacionais, Mohamed El-Baradei, Prémio Nobel da Paz, apresentou a sua demissão do governo de transição.
Paralelamente à sangrenta intervenção das forças da autoridade, multiplicam-se as manifestações de apoio a Mohamed Morsi em toda a capital e noutras grandes cidades egípcias. Os islamitas tentaram bloquear o acesso ao Cairo incendiando pneus.
Entretanto, o governo anunciou que o tráfego ferroviário em direção ao Cairo está interrompido para evitar mais manifestações.
Cenário de guerra
Os jornalistas da imprensa internacional que seguem, no Cairo, a situação reportaram que os violentos confrontos entre os manifestantes e as forças da ordem transmitem a sensação de uma autêntica guerra civil nas ruas da capital.
"Eles estão a disparar contra nós usando balas reais. São unidades do exército atirando contra nós. Ouviu os tiros?", questiona um dos manifestantes.
Segundo várias testemunhas oculares, inicialmente a polícia disparou granadas de gás lacrimogéneo e balas de borracha. Mas depois, em represália às pessoas que atiravam pedras e garrafas, as forças da ordem abriram fogo contra os manifestantes. E em Alexandria, a segunda maior cidade do país, localizada no Norte, também houve troca de tiros.
Observadores notam que com esta violenta repressão que conduziu ao abandono das duas praças onde se concentravam os manifestantes, a Irmandade Muçulmana acaba de perder um dos seus meios de pressão sobre o novo poder. Vários dirigentes do movimento foram presos ou são procurados, enquanto os seus bens foram congelados.
O Ministério egípcio do Interior anunciou várias prisões no seio da Irmandade Muçulmana, sem contudo avançar nomes. Responsáveis das forças de segurança disseram que Mohamed El-Beltagi, um quadro do Partido da Liberdade e da Justiça, o braço político da Irmandade Muçulmana, foi interpelado.
Comunidade internacional apela à calma
No plano internacional, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, voltou a pedir a todos os egípcios que concentrem esforços na promoção de uma "reconciliação genuinamente inclusiva". A União Europeia convidou as autoridades a darem provas de contenção.
Em Berlim, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Guido Westwerwelle, lançou o repto. "Apelamos a todas forças políticas a retomarem imediatamente o diálogo e as negociações por forma a impedir a escalada da violência. Qualquer nova efusão de sangue no Egito deve ser impedida. Apelamos a todas as partes para que regressem a um processo político, que inclua todas as forças políticas", declarou.
"Esperamos do governo de transição e das autoridades egípcias que autorizem as manifestações pacíficas. De igual modo, esperamos que todas as outras forças políticas assumam claramente as suas distâncias face à violência e que os seus atos sejam não violentos", acrescentou ainda Guido Westwerwelle.
A França criticou o que considerou ser "uso desproporcionado da força". Os governos sueco e britânico, entre outros, lamentaram profundamente a violência no Egito e apelaram também à calma.
Fora do contexto europeu, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, foi mais longe, tendo exortado o Conselho de Segurança da ONU e a Liga Árabe a intervirem no Egito, para pôr termo ao que considerou como "um massacre".
O Qatar, parceiro regional do ex-governo de Mohamed Morsi, condenou a intervenção policial contra os manifestantes. E o Irão considerou que o Egito corre o risco de entrar "numa guerra civil".
Desde o derrube de Mohamed Morsi (03.07) e antes do assalto lançado esta quarta-feira (14.08) contra os manifestantes, mais de 300 pessoas morreram na violência política que se vive no país. A grande maioria das vítimas foram membros da Irmandade Muçulmana, pelas forças de segurança nas duas grandes intervenções que ocorreram a 8 e 27 de julho.