Dívidas ocultas: 5,8 milhões de euros para documentação
21 de junho de 2022O valor foi adiantado pelo escritório de advogados Peters & Peters, que disse ter enviado pessoal e equipamento para Maputo para organizar os documentos necessários para o julgamento no Reino Unido, que está previsto começar em outubro de 2023.
"A República já gastou cerca de cinco milhões de libras para cumprir as obrigações de divulgação [disclosure]. Dado que a República é a terceira nação mais pobre do mundo, isto representa uma soma enorme", admitiu Sarah Gabriel, sócia e advogada especializada em litígio comercial, numa declaração apresentada na semana passada.
A divulgação e partilha de provas documentais é obrigatória e uma etapa essencial dos procedimentos britânicos, pois é quando as diferentes partes disponibilizam entre si documentos relevantes para o processo para que cada uma possa preparar os respetivos casos.
Numa audiência preliminar que decorreu esta terça-feira (21.0&9, o advogado que representa Moçambique nos procedimentos judiciais iniciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Jonathan Adkin, reiterou a dificuldade revelada em abril em cumprir o prazo de fim de setembro e o pedido para este ser prolongado até 23 de dezembro devido à "dimensão e desafios da tarefa".
Perante as objeções de outras partes no processo, nomeadamente do banco Credit Suisse e do grupo naval Privinvest, o juiz Robin Knowles recusou e adotou uma solução de compromisso, permitindo uma extensão do prazo para a divulgação de provas documentais até final de novembro.
Porém, manteve outubro de 2023 como início do julgamento, bem como as datas das outras fases do processo, nomeadamente a entrega das declarações das testemunhas e dos peritos até ao final de fevereiro e fim de maio de 2023, respetivamente;
Acesso a documentação
Como condição para esta extensão, definiu que as partes devem fazer a divulgação gradual [rolling disclosure] de documentos à medida que estiverem disponíveis, facilitando a trabalho dos outros envolvidos, e ameaçou com "sanções e consequências" para eventuais incumprimentos do prazo.
Com o banco russo VTB novamente ausente devido às sanções a que está sujeito devido à guerra na Ucrânia, o Credit Suisse manifestou preocupações com a forma como a escolha dos documentos que vão ser divulgados está a ser feita.
O advogado Andrew Hunter questionou a exclusão dos advogados britânicos no processo de seleção dos documentos para divulgação.
"O que é aparente é que [os advogados] da Peters & Peters não foram autorizados a desempenhar o seu papel, estão a fazê-lo apenas na condição de supervisão", afirmou.
A Privinvest referiu o facto de os próprios advogados britânicos da PGR estarem a encontrar resistência dentro do Governo de Moçambique no acesso a documentação e equipamentos, o qual está sujeito a autorizações "hierárquicas".
O advogado da Prinvinvest, Duncan Matthews, levantou também a questão de comunicações por membros do Governo e instituições moçambicanas terem sido feitas por aparelhos e endereços eletrónicos privados, cujo conteúdo não está previsto ser disponibilizado.
Moçambique, disse, deve "permitir aos advogados britânicos verificarem a integridade do processo de divulgação" e ter acesso a equipamentos eletrónicos, incluindo privados, dos departamentos e pessoas em causa.
Uma nova audiência preliminar para discutir questões como o segredo de Estado com que alguns documentos poderão ser classificados está prevista para 29 de julho.
Iniciado pela PGR em nome da República de Moçambique em 2019, o processo na Justiça britânica pretende tentar anular a dívida de 622 milhões de dólares da empresa estatal ProIndicus ao banco Credit Suisse e obter uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das "dívidas ocultas".