Diáspora angolana espera novo ciclo político
11 de setembro de 2018A diáspora angolana em Portugal segue com atenção as recentes mudanças no país: a eleição de João Lourenço como Presidente do MPLA e a despedida do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos da política ativa geraram um aceso debate nas redes sociais. Houve aplausos ao discurso do novo presidente do partido - que promete combater a corrupção, o nepotismo e a bajulação -, mas mantém-se algum ceticismo.
A Plataforma de Reflexão sobre Angola está reticente: não acredita que a nova liderança do MPLA signifique o fim das velhas práticas que fundaram a burguesia nacional. "Falar do fim do nepotismo, da corrupção, da incompetência e da melhor distribuição dos recursos e a sua boa utilização significa que é preciso repensar todos os atores atuais para um novo grupo", diz Manuel Dias dos Santos, do núcleo de reflexão. "Não basta o discurso do chefe de Estado para a mentalidade mudar. Ou seja, a mentalidade vai continuar a mesma", considera.
Também o ator Daniel Martinho quer ver mais medidas antes de falar num novo ciclo em Angola, embora admita que a governação "está no bom caminho".
"É preciso que umas coisas sejam enterradas, outras sejam revistas e corrigidas no que concerne aos aspetos políticos, económicos e sociais, para então considerarmos um novo ciclo”, considera. "Pode ser que seja uma continuação e não é isso que queremos. Em todo o caso, vamos dar o benefício da dúvida para dizer que [João Lourenço] está no bom caminho".
Daniel Martinho lembra que os angolanos na diáspora estão expectantes e sentem o pulsar da situação política, económica e social do país. Os sinais de mudança transmitidos antes pelo atual Presidente da República e as metas por ele apontadas logo após a tomada de posse, em 2017, e agora reafirmadas no Congresso do MPLA, devem traduzir-se em soluções e melhorias, com políticas e programas que correspondam às expetativas e anseios dos jovens.
"Penso que os jovens inadaptados estão cansados de ver a coisa correr do jeito que corre. É preciso que as coisas se tornem mais palpáveis. É preciso que se mude", diz o ator.
Medidas reais
Concretamente, Daniel Martinho pede a criação de condições legislativas que permitam aos angolanos no exterior votarem nas eleições angolanas. O partido no poder tem responsabilidades nesta matéria, por ser a maioria no Parlamento: "Se não queremos correr o risco de vermos um número de ausentes ou votos nulos acentuados, é necessário então que se faça a coisa com mais seriedade. Se os nossos políticos não vão cumprir o seu trabalho [de servidores do] público, o que vai acontecer é que vão anular-se de ter de ir votar ou de ter de ir prestar o seu [dever] cívico".
A propósito da visita a Angola do primeiro-ministro português, António Costa, prevista para a próxima semana, Daniel Martinho pede aos governantes dos dois países medidas que tornem mais acessível e célere a política de concessão de vistos na base da reciprocidade, permitindo um maior intercâmbio entre os dois países: "Entendam-se, porque nós os povos [angolano e português] damo-nos bem".
Manuel Dias dos Santos, do núcleo da Plataforma de Reflexão sobre Angola, deixa um alerta: o discurso não basta, importante é pô-lo em prática. "Isso significa serem eles os primeiros a colocarem todos os recursos que obtiveram de forma ilícita e ilegal à disposição do Estado angolano, investindo justamente na qualidade de vida, criando oportunidade de as pessoas, com o seu trabalho, viverem em dignidade", remata.
O novo ciclo em Angola poderá também constar da obra do escritor Ondjaki, que, de passagem este fim de semana por Lisboa, afirmou num debate que "literatura é política e deve ser interventiva".