Rússia reposiciona-se em África com novo grupo militar
5 de fevereiro de 2024Os contactos entre a junta militar do Burkina Faso e o regime de Vladimir Putin na Rússia estão a funcionar muito bem. Isto percebeu-se muito concretamente há alguns dias, quando Moscovo forneceu material militar ao Burkina Faso: os sucessores do Grupo Wagner desembarcaram na capital, Ouagadougou.
Num post do Telegram, o novo grupo russo, denominado Corpo Africano, declarou que iria proteger o Presidente interino Ibrahim Traoré e a população de ataques terroristas. A atual unidade de 100 efetivos deverá em breve ser alargada com mais 200.
Há vários anos que o Burkina Faso é palco de violência jihadista. Vários grupos estão ligados ao grupo terrorista Estado Islâmico e à Al-Qaeda, que combatem também nos vizinhos Mali e Níger.
O Presidente interino declarou na quarta-feira (31.01) que nenhum russo está atualmente a combater os extremistas islâmicos, mas não excluiu essa possibilidade no futuro. Segundo Traoré, os soldados são formadores.
"Estão aqui para treinar os nossos homens na utilização das armas que o Estado encomendou. É normal que venham para os treinar", declarou Nestor Podassé, líder de um movimento pró-junta, que foi um dos primeiros a publicar nas redes sociais fotografias da chegada dos soldados russos a Ouagadougou.
Corpo Africano oficialmente operacional
Com o envio de soldados do Corpo Africano para a região do Sahel, o Presidente Vladimir Putin demonstra uma vez mais a sua presença no continente, especialmente na África Ocidental. De acordo com a historiadora russa Irina Filatova, os soldados irão futuramente atuar em cinco países: Burkina Faso, Líbia, República Centro-Africana (RCA), Mali e Níger.
No entanto, há uma diferença importante em relação ao grupo mercenário paramilitar Wagner: o Corpo Africano está diretamente subordinado ao Ministério da Defesa russo. Em contrapartida, o Grupo Wagner era uma empresa russa de segurança privada. Em África, lutava contra o terrorismo islâmico, atuava como guarda-costas e representava apenas oficiosamente os interesses militares de Putin no continente, sob a liderança de Yevgeny Prigozhin, que caiu em desgraça depois de liderar as suas tropas em direção a Moscovo no final de junho de 2023. Dois meses mais tarde, Prigozhin morreu na queda de um avião.
Segundo o jornal francês Le Monde, o termo "Corpo Africano" surgiu pela primeira vez nas redes sociais no final de novembro, num canal do Telegram ligado ao Ministério da Defesa russo.
Alguns dos soldados da unidade provêm do antigo Grupo Wagner, enquanto outros são recrutados nos países de destacamento, diz Iryna Filatova, professora emérita da Universidade de KwaZulu Natal, na África do Sul.
Influência de Putin em África aumenta
Desta forma, Moscovo está a aumentar a sua influência na região do Sahel. No Burkina Faso, Filatova vê a unidade do Corpo Africano mais como uma espécie de guarda-costas do Presidente de transição.
"As intervenções dos serviços russos, seja no Níger, no Mali ou no Burkina Faso, servem sobretudo para proteger os regimes e muito menos para lutar contra os jihadistas", diz à DW o general Dominique Trinquand, especialista militar francês.
Desde que tomou o poder, em setembro de 2022, a junta no poder no Burkina Faso tem-se distanciado de Paris. Como antiga potência colonial, França tem sido um parceiro próximo desde a independência. Mas a junta obrigou os soldados franceses a abandonar o país e aproximou-se da Rússia. Recentemente, o Burkina Faso, o Níger e o Mali também abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Por isso, segundo Filatova, a parceria entre a Rússia e a África Ocidental pode ser uma vantagem política importante para a Moscovo: "Putin está muito interessado em África, especialmente na África Ocidental. Os países ocidentais dizem que a Rússia está isolada. Mas Putin pode mostrar que África o apoia". Na prática, o Corpo Africano actua como um instrumento da política externa russa - pelo menos é essa a esperança da Rússia.
"Os países do Sahel podem votar a favor da Rússia na ONU e inspirar outros países africanos a fazer o mesmo. Certamente na Assembleia Geral, e talvez no Conselho de Segurança da ONU. A Rússia também tem interesses económicos em África. A região é rica em minerais valiosos", acrescenta a professora.
Base militar russa na RCA
No que diz respeito à expansão do poder da Rússia em África, há um país que se destaca: a República Centro-Africana. Em 2018, o país ligou-se mais estreitamente à Rússia através de um acordo de defesa entre Bangui e Moscovo, conferindo aos mercenários Wagner um maior papel militar no país.
Agora, os planos para uma base militar oficial russa em Berengo, no sul do país, com cerca de 10 mil tropas, estão a ser concretizados. Berengo possui um aeródromo e as instalações necessárias para uma base militar, que já foram utilizadas pelo Grupo Wagner.
A República Centro-Africana está estrategicamente localizada, lembra Fidel Gouandjika, ministro e Conselheiro Especial do Presidente Touadéra, à DW: "Queríamos que a Rússia reforçasse a sua presença na República Centro-Africana para poder intervir na zona central do continente, se houver um problema de terrorismo ou de 'homens fortes' que queiram desestabilizar os regimes na África Central".
Segundo Gouandjika, o pedido partiu da própria RCA. Depois de conversações, acrescentou, os russos estão prontos para começar a construir a base.
Mas a influência crescente dos russos também é criticada. "Temos a impressão de que mudámos simplesmente de dono. Deixámos a França para nos curvarmos sob o jugo da Rússia", diz Paul Crescent Béninga, representante do grupo de trabalho da sociedade civil GTSC na República Centro-Africana.