Bairro dos ministérios em Luanda: um luxo num país em crise
28 de julho de 2019Ministérios, casas protolocolares, hóteis, lojas e vários serviços de apoio institucional são algumas das valências que o novo "Bairro dos Ministérios" deverá ter. O empreendimento está previsto para a orla marítima de Luanda, na Chicala, uma das áreas mais nobres da capital angolana.
"Como é que se constrói um bairro dos ministérios com uma população que não tem acesso a água de qualidade, que não tem energia, que não tem educação? Estamos a meter a carroça à frente dos bois", comenta o ativista e militar angolano Osvaldo Caholo.
Bairro de luxo num país em crise
O oficialmente designado Centro Político Administrativo (CPA) compreenderá também áreas dedicadas à iniciativa privada, como centros de negócios, apartamentos de luxo, restaurantes e zonas de lazer. Os beneficiários destes espaços serão sobretudo os altos cargos do governo, o que para Osvaldo Caholo é uma afronta aos angolanos. "Como é que o MPLA continua a tratar os angolanos como farrapo humano?", questiona o ativista.
"Não se concebe como é que um representante do povo, um deputado, tem um carro de cento e tal mil dólares, quando o seu representado nem sequer tem um transporte público", lamenta.
O projeto apresentado pelo ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social de Angola, Manuel Nunes Júnior, pretende nas palavras do governante reduzir os avultados custos financeiros com os atuais edifícios dos ministérios.
Francisco Paulo, economista e investigador auxiliar do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, critica a não divulgação dos custos do megaprojeto.
"O senhor ministro para o Desenvolvimento Económico diz que atualmente o governo gasta muito dinheiro em edifícios privados onde estão localizados os ministérios, mas não avançou quanto é que ele gasta mensal ou anualmente, nem tão pouco avançou quando é que vai custar este centro, nem quanto é que vai contribuir para a poupança do Estado", indica o investigador. "Sem esses dados não conseguimos avaliar o custo-benefício", adverte Franciso Paulo.
De acordo com o ministro, o Estado vai recorrer a uma parceria público-privada (PPP) para a edificação da empreitada, já que, segundo Manuel Nunes Júnior, esta solução é a "mais viável em situações de restrições orçamentais".
"Isso não faz sentido, porque não terá um impacto imediato na redução [da despesa]. A burocracia continua, os hospitais estão sem medicamentos, as crianças fora do sistema de ensino, mas continuamos a viver do luxo e do supérfluo", critica o investigador da Universidade Católica de Angola.
Congestionamento, poluição e mais tensão sobre a capital
O futuro CPA de Luanda será erguido na continuidade do bairro da Praia do Bispo, onde já estão localizados o Palácio Presidencial e a nova sede do Parlamento angolano.
A concentração de edifícios do Estado numa zona nobre do centro de Luanda aumenta a tensão sobre a capital, adverte Francisco Paulo. "A cidade de Luanda sofre de engarrafamento e todos os serviços estarem concentrados no mesmo local é um perigo para o congestionamento e poluição. É o tempo da descentralização e não da concentração", assevera o economista.
Por outro lado, a construção do projeto vai obrigar ao desalojamento de milhares de pessoas. Por isso, Osvaldo Caholo apela ao povo angolano para "pôr um basta". "Um basta é dizer ‘chega'. O povo deve tomar consciência de que não vão ser as eleições que vão tirar o MPLA do poder. O povo deve ir para as ruas em massa", conclui.