Conflito judicial atrasa desfecho no caso do golpe falhado
30 de junho de 2023Uma notícia divulgada esta semana pela DW relançou o debate na Guiné-Bissau sobre quem poderão ter sido os cabecilhas da alegada tentativa de golpe de Estado de 1 de fevereiro de 2022 e como evoluiu o processo judicial contra os 37 suspeitos detidos no âmbito do caso e que continuam a aguardar julgamento em várias prisões da Guiné-Bissau.
Uma dessas pessoas é o ex-chefe da Armada guineense, o vice-almirante Bubo Na Tchuto, acusado de ser o homem por trás do ataque ao palácio governamental.
Entretanto surgiram novos dados, a que a DW teve acesso, que indiciam que Malam Bacai Sanhá Júnior, conhecido por Bacaizinho e filho do já falecido Presidente guineense Malam Bacai Sanhá, teria admitido - em conversas intercetadas por agentes antidroga norte-americanos - que queria instalar na Guiné-Bissau um regime mais favorável ao narcotráfico, tendo-se supostamente gabado de ser, ele próprio, um dos cabecilhas da alegada tentativa de golpe.
Novas suspeitas
Marcelino Ntupé, advogado de Bubo Na Tchuto e de 25 outros detidos no âmbito do caso 1 de fevereiro, em entrevista à DW, sublinha que as investigações por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR) já foram dadas por concluídas, o que leva a que as novas suspeitas em torno de Malam Bacai Sanhá Júnior - que chegou a ocupar o cargo de secretário de Estado das Comunidades num Governo liderado por Domingos Simões Pereira, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) - já não possam entrar neste processo.
"A investigação já foi encerrada. Já não há possibilidade de fazer mais investigação. Havendo uma declaração desse ex-secretário de Estado, afirmando que ele é cabecilha do caso 1 de fevereiro, depende das circunstâncias em que ele fez essa declaração. Falou. Mas onde é que falou? Como é que falou?", questiona Marcelino Ntupé.
"O que me interessa é que alguns dos meus clientes foram acusados de serem os responsáveis pelo caso 1 de fevereiro, como o almirante Bubo Na Tchuto, que é o principal acusado de ter encabeçado o caso 1 de fevereiro. Agora, se temos ainda outra pessoa, que também teria encabeçado, isso levanta mais questões", comenta.
Questões que acrescem ao caos já instalado no caso 1 de fevereiro, refere Marcelino Ntupé.
O advogado diz que é esse caos que tem contribuído para que, mais de um ano depois dos acontecimentos, os seus clientes permaneçam detidos em várias prisões do país, sem se saber se o processo terá mesmo início na data prevista, a 5 de dezembro.
"Existem alguns elementos, entre os meus clientes, que foram acusados e outros que não foram acusados, esse é o primeiro elemento. O segundo elemento é que há uma desconfiança do poder político de que, se o caso for julgado num tribunal comum, pode haver uma sentença que não agrade ao poder político. Então, o poder político entende que esse processo deveria ser julgado pelo tribunal militar", comenta.
"Agora existe uma espécie de conflito de competências, e o processo foi transferido para o tribunal militar, mas os magistrados do tribunal militar recusam assumir o processo, com o argumento de que o tribunal militar não é competente para julgar o caso. E aí ficamos. Não sabemos se o processo vai ser julgado no tribunal militar ou no tribunal comum", admite.
Violação de direitos fundamentais
Fodé Mané, presidente da Rede Nacional de Defensores dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau, afirma estar perante "mais uma grave violação de direitos fundamentais".
"O mais grave é que, entre esses detidos, há alguns que o Ministério Público nem sequer acusou, não têm acusação. Isso já se pode considerar sequestro por parte do Estado há mais de um ano", adverte.
O jurista salienta que, entre as pessoas detidas no âmbito do caso 1 de fevereiro, há militares e não militares. E considera que não é legal manter os detidos tanto tempo na prisão.
"Entendemos que o trabalho da justiça deve ser feito, mas primeiro deve ser restituída a liberdade às pessoas. Muitas dessas pessoas já estavam na reforma, já têm idades avançadas e as condições de saúde não são as melhores. Não dizemos que não cometeram ou cometeram alguma coisa, mas deve-se respeitar a legalidade", concluiu.