Como a Itália pode criar o "Black lives matter"?
4 de setembro de 2022Passaram-se quatro semanas desde que Charity Oriakhi se tornou um mulher viúva, mas ela ainda não tem palavras para responder aos seus filhos quando eles perguntam sobre o pai.
"O meu filho pergunta-me: 'Onde está o pai?' pensando que ele está no hospital", disse à DW nigeriana que vive em Itália.
As crianças estão à espera do pai, e constantemente olham para porta, com a esperança de que Alika Ogochukwu ainda possa regressar à casa.
"No seu regresso, ele trazia-lhes sempre muitas coisas", explicou a mãe.
Mas, desde 29 de julho, as duas crianças se perguntam porque é que o pai, e os seus presentes, já não chegam.
Morte em plena luz do dia
Segundo fontes ouvidas pela DW África, Ogochukwu, um vendedor, terminou o trabalho numa sexta-feira e esperava pelo autocarro numa paragem em Civitanova Marche, no centro de Itália.
Quando uma jovem italiana acompanhada por um homem branco estava a passar, Ogochukwu a cumprimentou, dizendo: "Ciao bella", uma expressão informal italiana que significa 'Olá, ou adeus, bela'.
Isso também confirmou Oriakhi. "As pessoas que lá estavam disseram que o meu marido disse 'Ciao' - ele saudou a namorada do rapaz", disse.
Num ataque de raiva, o homem italiano de 32 anos agrediu Ogochukwu, embora estivesse claramente a usar uma muleta - sinal de uma deficiência causada por um acidente de carro.
Ogochukwu tentou fugir, mas o homem italiano dominou-o, arrancou-lhe a muleta, e usou-a para o espancar.
Empurrou o nigeriano visivelmente abalado para o chão, dando-lhe golpes, antes de o estrangular com as suas próprias mãos.
O atacante usou então o seu joelho para esmagar a cabeça de Ogochukwu até ao chão antes de fugir da cena depois de lhe roubar o telefone.
Tudo aconteceu em plena luz do dia, enquanto os transeuntes usavam os seus telefones para registar o que acontecia.
Um homem simples e silencioso
As pessoas que conheciam Ogochukwu descreveram-no como um homem simples, calmo, feliz. Ele amava e respeitava todas as pessoas que conhecia, por isso cumprimentava e elogiava as pessoas sem esforço.
"Esta é, infelizmente, uma história comum", disse Ojeaku Nwabuzo, diretora de Política, Advocacia e Desenvolvimento de Redes na Rede Europeia Contra o Racismo (European Network Against Racism).
"Isto deve-se a uma longa história de violência racista em Itália", disse a ativista à DW, que afirma não compreender porque é que os espectadores não puderam ajudar.
Nwabuzo afirma que em Itália o racismo tem forte notoriedade, observando que as instituições políticas e policiais não abordam a questão de forma abrangente.
Será que as vidas negras importam em Itália?
No cerne do assassinato de Ogochukwu há o desrespeito pelas vidas dos africanos, disse Kudus Adebayo, membro do Centro Africano para a Migração e Sociedade da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.
"Os africanos têm sido enquadrados ao longo dos anos como um fardo para a 'felicidade europeia'", disse Adebayo à DW.
"Não só pelos meios de comunicação, mas também por políticos e suas ideologias populistas". Ele diz que isso explica o desrespeito flagrante pelas vidas negras e a matança em frente ao público de um indivíduo vulnerável.
A DW ouviu várias fontes que disseram que muitos italianos acreditam que os imigrantes africanos são "um fardo" para o país, porque "trariam doenças, e seriam responsáveis pelo aumento dos crimes". E os apoiantes da direita retomaram esta narrativa, transformando a mesma numa questão contra a imigração.
Os africanos no centro e sul de Itália, que falaram à DW sob condição de anonimato, por medo de represálias, disseram que o problema de crimes racistas no país nunca foi reconhecido.
Afirmam que a retórica política, ao mais alto nível, alimenta a violência, levando a ataques como na Civitanova, e noutras partes do país.
Outros africanos disseram à DW que o racismo em Itália está institucionalizado. "Este problema ocupa uma posição muito notória e desconfortável neste país em particular", disse Adebayo.
Calúnias racistas
Justin, um especialista nigeriano em automóveis de 45 anos de Civitanova, disse que as calúnias racistas são por vezes explícitas contra os africanos negros. Noutras ocasiões, a discriminação não é falada.
"O racismo priva-nos de competir igualmente, de aprender a língua, de ser quem somos", disse à DW. "Somos reprimidos de formas diferentes - nem sequer podemos ir à escola. Somos apenas maltratados", acrescentou.
"Eles [racistas] dão-nos esta sensação, em todo o lado, de que não somos nada". Portanto, temos muitas lutas. Somos psicologicamente reprimidos".
"Aqui não temos direitos iguais", acrescentou Justin recordando as suas experiências pessoais. "Alguém me disse uma vez: 'És um macaco; estás demasiado escuro'".
"Chamam-te macaco, chamam-te nomes e, perguntam-te o que fazes aqui; não precisamos de ti aqui, não podes fazer nada [sobre os ataques racistas]", explicou.
Ele diz que ignorou tais provocações porque queria adquirir o seu certificado de mecânico de automóveis. "Quero ser bem sucedido, por isso concentrei-me em mim", desabafou.
Justin também afirma que compreende a motivação por detrás dos ataques racistas: "Eles querem puxar-me para baixo com todas estas palavras, e algumas destas pessoas vêm por vezes pedir desculpa porque vêem que sou realmente forte, ainda mais forte que eles", concluiu.